Não
há dor mais aguda, mais dilacerante, mais solitária do que a dor da
perda, da saudade que ganha o peso eterno, da saudade do que não
foi, da ausência que passa a dilacerar, que enjoa, desnorteia e
deixa alguma cegueira de amanhãs.
Não
há dor mais só, mais negra, mais vazia, sem preparo, sem aviso, sem
rede...
É
desconcertante lidar com o não estar lá, com o não poder dizer
nada, com o mutismo que nos sobra entre mãos, pois não há a quem
dizer. E nesses momentos surgem todas as coisas que não se disseram,
as que se disseram mal e as que eternamente saberemos de cor, porque
se disseram e fizeram bem.
O
luto é uma saudade desarrumada, uma ferida que demora a cicatrizar e
que abomina a
palavra que a cura.
Não há nada pior do que saber que
a única coisa que alivia este processo é o TEMPO, pois é na perda
que se percebe a dimensão do tempo que não chega, o que não passa
e a falta de fé e esperança no conceito global que o tempo deve
ter.
Na perda eu não quero sentir o tempo. Eu não quero viver o
tempo. Porque a saudade tem cheiro, tem nome, tem histórias e
sentires.
Somos
animais de fé e esperança, somos entidades que lutam diariamente
com a sua noção de fim, mas acima de tudo que lutam por se
afastarem do medo de perder de quem se gosta. Tememos a
finitude do que é alheio a nós e para suportar essa
dor antecipada
vivemos como se donos do tempo fossemos, fugindo à crença de que o
tempo por cá é finito. E este jogo de "pseudo" ignorância assegura-nos
o alívio de não sentir um medo diário de perder.
Mas a vida de
vez em quando, dentro do que é perfeitamente normal, ceifa e leva-nos
das mãos, do olhar, da proximidade, os que amamos, aqueles de quem
não suportamos distância e ausência.
Nesse
ceifar, encontramos-nos destruídos de dentro a tentar dar sentido
ao que
aconteceu, na revolta de aparentemente ter de continuar,
morrendo de desgosto egoísta pela ausência, morrendo de medo de
partir ou de perder quem está à volta.
Na morte, no luto, na
saudade, no desespero, olhamos à vida e queríamos ou precisávamos
de pôr todos os que amamos a seguro e acreditar por alguns momentos,
para que tudo isto não fosse insuportável, de que não vai haver
mais perdas.
Nestes
momentos fazemos as rotinas para sobreviver mas percebemos que ou
estamos anestesiados ou, as rotinas relembram o outro e a dor do não
estar lá. No luto, na perda, as palavras ferem, pois ao espreitar da
esquina as palavras têm lembranças e estão gastas demais para
aliviar.
Na
dor circular destes afectos mais negros, ficamos descalços, vazios
de bolsos, nada lá temos que nos agarre ou empurre. Há segundos
eternos e semanas ausentes...não há tempo e afinal dizem que ele
cura. Nestes momentos não queremos ensaios sobre o tempo e toda a
sua ajuda, nestes momentos não queremos luz ou paz, queremos um
veículo para a revolta, um abraço que aperta e não dá espaço
para dúvidas. Não queremos sons, precisamos de gestos. Precisamos
de quem tome controle e nos arraste nessa passagem anestesiada.
Nessas
dores fundas de alma, precisamos de aprender a respirar e precisamos
de ter alguém ao nosso lado que nos lembre de respirar. Precisamos
de ter quem passe o tempo connosco a adivinhar o que é preciso.
Precisamos de saber que temos quem respire connosco, quem esteja,
quem olhe por nós.
Só isso, sem palavras, em silêncios cuidadosos
que se fazem chegar através do colo velado o amor que cura e ajuda a
passar esse tal tempo. Precisamos de sentir as asas quentes, enormes
e suaves que os que nos amam estendem em nosso redor, para saber
sentir que estamos vivos e saber que alguma coisa algures num tempo
que ainda não chegou, nos vai fazer sair daqui, deste lugar negro
onde ficamos e que não prevemos.
E
num dia, que não se mede, que não se vê chegar ou que não se
espera, o tempo, a família, os amigos, o amor, os afectos, os
silêncios, os abraços, as asas e as lembranças, fizeram o seu
trabalho, agiram sobre a dor, e um dia é mais fácil.
E um dia vai
sendo mais fácil, voltamos a respirar sozinhos. E voltamos a
acreditar que se sobrevive a dores assim, podendo saborear uma
saudade boa, podendo recordar sem chorar, podendo ter presente, numa
ausência eterna.
Com
um xi-coração para uma amiga que perdeu...