Baixo os braços...perco a luta, saturo-me do combate, tenho momentos que me dói de doer, que não quero mais, me perco na escuridão de uma pele mortiça que redoma a destruição maciça.
A dor crónica tira o respirar, tira a paciência, tira o sorriso da alma, enruga o corpo, desfeia o rosto, escurece o céu, enegrece os pensamentos, torna macilenta a Vida. Rouba a criança, arrasa o adulto, massacra a família.
Acordar sem dono, acordar querendo continuar a dormir, porque se julga aliviar.
Foge-se dela, como se fosse possível, mas ela arrasta-nos ao chão, luta connosco e prova-nos a vitória, que nos escorrega das mãos.
Tem dias, dias longos e penosos, que nos fogem da memória mas, que marcam em feitio e a certa altura em personalidade. Tem dias curtos, que nos iludem e namoram, como se de repente afinal fosse possível ser sem dor. E nesses rasgos de luz, nessa ilusão, cria-se uma esperança e buscam-se forças para que o amanhã venha mais cheio, mais doce, menos cruel.
Viver na dor, é viver preso. É ter de querer aprender a viver com, e não apenas pensar que se quer sobreviver.
Enquanto se tenta apenas sobreviver, deixar passar o tempo, numa anestesia mental de que talvez um dia ela desapareça e nunca mais volte, é não viver, porque se assenta o amanhã, os momentos seguintes no seu desaparecimento total. Porque se sonha que só se vai viver de novo, quando ela não estiver. Mas, isso é que é o pesadelo, que nos arrasta para uma vivência em modo de sobrevivência, numa esperança ridícula que não nos permite nada, porque a dor fala mais alto.
A dor, se for crónica, é para ficar. Temos de a conhecer, profundamente e reconhecer o nosso eu, que se perde nas suas teias. Destrinçar quem sou, da dor. E diferenciar, quem quero continuar a ser no meio dela.
Com isso em mente aprender a saber quando consigo eu enganá-la. Quando e porque é que às vezes a consigo apanhar distraída. Que momentos do dia, da semana, do mês, tenho eu menos presença da inimiga? Há ciclos ou não? Que poder tenho eu sobre? Que recomendações é que já tentei e resultaram?
Que quero eu?
E ganhar terreno sobre é crucial. Não permitindo que a dor me anule, me altere, me transforme tanto que eu não me reconheça.
Tenho dias de gruta, de animal enjaulado, em que teria fome de sangue, contra um inimigo invisível, em que me dói estar vivo. E? Que faço eu? Atiro a toalha ao chão? Deixo que a minha essência me seja roubada, violentada, atirada às ondas na impotência de não saber com o que contar? Ou, à minha maneira, no meu saber de mim, que mais ninguém tem, luto contra?
Temos muitas das vezes de educar quem rodeia, explicar em que mundo nos vemos de vez em quando e porque é que em certos momentos, um monstro toma posse de nós. Temos de ser porta-voz da nossa dor, descrever, pedir empatia para com os nossos viveres. Mas, acima de tudo, temos de nos ajudar a não cair nos círculos que a dor nos cria, que nos empurra para, onde nos perdemos em dores maiores, que deixam de ser físicas ou psicológicas, para serem dores gerais.
Tenho dias que me dói a pele, como se não suportasse o meu próprio peso. Tenho dias que me dói a alma. Tenho dias que não sou eu, que me desconheço no espelho ou nos limites físicos de mim, que me definem como fronteiras para com o mundo. E nesses dias era tão fácil sentir-me só, sentir que sou única no mundo e que sou a pessoa que ninguém compreende. Nesses dias era tão fácil, sendo cruel, ouvir as sereias que me tentam como aos marinheiros, a agir na loucura de um momento, um momento de desespero e de impotência.
Mas...esses dias têm de ser banidos, lutados contra, erradicados, recusados. Esses dias, eu levo ao tapete e ando à pancada, mostrando que no meio de tudo ainda existo eu, a que me guarda, a que zela, a que se recusa a deixar de sonhar ou de viver com a vontade, a gana que me define.
É desesperante, sim.
Mas, a sobrevivência não reside no viver, reside nesta luta que eu não posso permitir que a dor ganhe, para que a vida seja então vivida e não sobrevivida.
É nessa luta que me foco, não contra mim, o mundo, a fé, Deus, a medicina, os outros...é na luta contra a dor que despendo as minhas forças. Na sua banalização, no roubar-lhe o poder de me dominar. Focando a minha mente (com tudo o que me reste), em seguir caminho, uns dias sem me sequer lembrar que ela existe, noutros a lembrar-me a todo o momento que não quero que ela exista.
Há dias em que a mando à merda, com toda a força, outros...os mais difíceis, tento fugir não dela, mas da pessoa em quem ela me quer transformar.
Nos dias que me dói a pele e a alma, peço colo ao mundo e faço dentro da minha mente reuniões com os administradores, vendo os melhores cenários, não me deixando ir à falência. Se for preciso choro, e choro muito, mas depois não lhe dou vitória. Não posso, não devo e acima de tudo não quero. Não quero ser presa da dor. E muito menos que ela me defina.
Vamos à luta e quando faltarem forças, vamos aprender a pedir ajuda. Vamos aprender a pedir colo.
Vamos acreditar, que há dias melhores e saborear na memória tudo o que já fomos e somos. Há dias em que independentemente das condições adversas, renascemos e não deixamos de ser nós, em grande, em pleno.
Bem hajam os que lutam contra a dor. E vamos lá com força nas "canetas", que a vida é para ser gozada à grande.
Um inferno em vida, um viver sem vida, um estar morto estando viva...
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