terça-feira, 12 de março de 2019

Perdas…lutos eternos, caminhos de pedra, viagens feitas à mão


Perdas…lutos eternos, caminhos de pedra, viagens feitas à mão

Durante a vida passamos por muitos momentos e vivemos muitos sentimentos, como felicidade, tristeza, angústia, desespero e nada nos prepara para superar uma perda, sem experimentar o sentimento de dor, da dor mais profunda que se vive. A felicidade é um termo muito abrangente e muitas vezes difícil de ser explicado. Os motivos pelos quais uma pessoa é feliz ou infeliz, são relativos, eu defendo que muitos deles são resultado das nossas conquistas, da satisfação com a própria vida ou da falta de tudo isto. Defendo que a felicidade é  em si uma escolha e depende das nossas acções.
Existem diferentes tipos de perdas, mas sem dúvida, a perda mais difícil de superar é quando morre um ente querido, a pessoa objecto do nosso amor. Existem várias etapas identificadas no processo do luto (Kubler Ross), que fazem vivenciar diferentes sentimentos e experiências.

Essas etapas são:

·        Negação
Não acreditamos ou aceitamos o que está a acontecer, uma certa incredulidade pode fazer parte desta etapa.
·        Raiva
Sentimos ira em relação a tudo, vive-se raiva do momento e da situação, até do objecto de amor perdido.
·        Negociação
Começamos nesta etapa a entender porque é que as coisas aconteceram e tentamos encontrar soluções para lidar com.
·        Tristeza
Já nos é claro que a perda é irremediável, sendo esta uma das etapas mais difíceis do luto, da perca em si mesma.
·        Depressão
Pode ser a mais demorada e difícil de superar, pois a pessoa vai sentir-se impotente, triste, sem reacção.
·        Aceitação
A depressão começa a aliviar e começamos a assumir que a vida continua, apesar de não podermos contar com a presença daquela pessoa. Nesta fase podemos ter momentos de tristeza, mas são incorporados no seguir da vida.

Cada caso é um caso, e estas etapas não ocorrem exactamente nesta ordem, geralmente acaba por ser um processo evolutivo e a pouco e pouco avança-se até à aceitação e superação do luto. É claro que teremos sempre uma certa nostalgia e tristeza ao evocarmos memórias desse ente querido, mas o sentimento torna-se mais fácil de suportar, sendo menos desesperante ou sufocante.

Na perda às vezes vive-se um pouco de ressentimento ou culpa que nos faz viajar no tempo e ter o desejo de fazer diferente, mas no processo não nos podemos deixar consumir por tal sensação, pois ao nos vermos impedidos de mudar o passado, estamos a forçar sentires sem saída ou solução, agravando a sensação de mal-estar e de angústia, assim como o desespero de não ter solução. Às vezes sentir que se pode ser feliz de novo pode trazer culpa, como se a pessoa não fosse importante, mas isso não faz sentido, nós temos direito a sermos felizes de novo e isso em momento nenhum põe em causa o seu amor por quem partiu. Antes pelo contrário, pode ser uma forma de homenagear o outro e a si próprio.

É importante trabalhar para retirar o foco da tristeza e relembrar os bons tempos que passou com a pessoa que perdeu. Permanecer centrado nos pensamentos negativos não mudará o que aconteceu e aumenta a sensação de desespero.

A perda força-nos a mudar a perspectiva. Não podemos só pensar na pessoa que partiu, temos de conseguir atravessar o luto, mudando o nosso olhar. Podemos fazer uma lista do que aprendemos com a pessoa e focar a nossa lembrança no que dá para tirar de positivo de tudo o que se viveu. Este exercício não só relembra o que se viveu, como cria uma imagem nova de si, uma nova versão, melhorada pela aprendizagem de tudo o que viveu, uma imagem mais resiliente e mais forte.

As pessoas que permanecem infelizes e não conseguem procurar de novo o seu bem-estar e a sua felicidade geralmente estão a ter a dificuldade de não assumirem o controle da sua própria vida. Achando ou vivendo a sensação de que não têm escolha…há que reformular esta perspectiva, não ter escolha é uma escolha em si. Se não se pode mudar aquilo que fez com que a sua vida não seja como queria, aceitar que não se pode mudar esse facto e fazer com que isso seja uma escolha, permite que se tente ser feliz com a vida que se tem. Muitas das vezes as pessoas prendem-se numa situação, que por diversos motivos se mantém, mas não actualizam a sua capacidade de transformar essa situação numa escolha própria. Não é o que mais queria, mas é o que tenho.

As pessoas que não estão a conseguir encontrar uma nova forma de estar, mais positiva, desistem antes de tentar pois não se reconhecem nesse papel, não nos podemos recusar a aprender ou a fazer algo, só porque não era a nossa maneira tradicional de ser. Não podemos inventar desculpas para permanecer presos e não nos aproximarmos do sucesso. Não nos devemos comparar, pode fazer-nos julgar, perdendo a capacidade de nos centrarmos em nós mesmos e nas nossas diferenças e pode aumentar a sensação de impotência ou incapacidade.
As pessoas que se vão sentindo infelizes estão a ter dificuldade em transformar as adversidades em degraus do caminho, sentindo o peso de uma vida que às vezes parece injusta. Ser feliz implica lutar por não se deixar abater e acreditar que amanhã é sempre um novo dia e uma oportunidade para fazer melhor.

É mais difícil fazer este caminho se os sonhos não passam a objectivos. Para fazer a viragem, temos de actualizar os nossos sonhos, dar a volta, criar objectivos e lutar por eles. Coisas pequenas de início depois maiores, depois o propósito da nossa vida. Sair da inércia é crucial, parar de esperar e passar a verbos de acção. Combater a vontade de não apreciar o tempo e aprender a ver no futuro o investimento do nosso tempo, de vivências de reconstrucção.


Não adiar mais e não deixar para amanhã, arrepanhar energias e passar à frente, ao próximo passo. Perder a apatia, o tanto faz e a impaciência…

Então como ultrapassamos uma perda e lutamos contra a nossa incapacidade para ser feliz?

Não é caminho fácil, é preciso querer acreditar e batalhar para cuidar de nós, fazendo o que nos faz bem…ficam aqui algumas dicas simples para enfrentar a tristeza e levar a nossa mente a encarar a felicidade como uma acção diária pela qual batalhamos.

Como ser feliz? 

A ciência vai estudando e apontando estratégias e ideias para sermos mais felizes, em resumo:

1.    Cuide do seu bem mais valioso - a sua saúde (física e mental)
2.   Durma bem (não o mínimo mas sim o suficiente para si)
3.    Mantenha-se perto da natureza
4.    Faça o que gosta
5.   Desenvolva os seus relacionamentos
6.    Pratique a gratidão
7.    Espalhe alegria, sorria
8.    Use o dinheiro com sabedoria

Tendo em conta estas linhas gerais, deixo aqui algumas dicas com base científica que nos sugerem como fazer do nosso caminho um percurso mais claro para ser feliz, ou mais feliz.

1. Passe tempo fora de casa (preferencialmente, na natureza)
Sair da rotina do ambiente fechado para a tranquilidade de um parque, para a praia, de vez em quando, é como arejar a mente, o corpo e até mesmo a alma.
Saber apreciar os espaços verdes está associado com uma melhor saúde mental, o contacto com a natureza pode estimular partes do nosso cérebro ligadas à felicidade, positividade e equilíbrio emocional.

2. Exercício
Por causa dos exercícios físicos, o cérebro liberta endorfinas que criam sentimentos de felicidade e euforia. Se fizermos exercício regularmente, esta sensação será prolongada e até mesmo duradoura, ajudando a reduzir o stress, a ansiedade e melhorando a nossa disposição para enfrentar o dia-a-dia.

3. Durma mais
Dormir pouco pode afectar o julgamento, o humor, a capacidade de aprender e reter informações, e pode aumentar o risco de acidentes graves e lesões. Não dormir o suficiente pode levar a níveis mais baixos de optimismo e a longo prazo contribuir para uma série de problemas de saúde. Evite a fadiga, stress, falta de concentração e sono durante o dia por falta de dormir regularmente.

4. Medite
Quanto mais profundo o relaxamento por meio da meditação, menor é a produção das hormonas responsáveis pelo stress. A meditação influencia e diminui a produção de hormonas associadas à ansiedade, dificuldade de concentração, atenção e stress. A sua prática aumenta a produção de endorfinas - hormonas ligadas à sensação de felicidade.

5. Lembre-se, você é incrível!
A nossa auto-aceitação é crucial para sermos felizes. Lembre-se disso e crie um mantra para si mesmo…reconheça os seus feitos e virtudes, siga a luta.

6. Você ouviu música hoje?
A música melhora o humor, contribui para a redução do stress e é inclusive usada em terapias. Faça a uma playlist, a sua, com as músicas que lhe causam bem-estar e toque-a.

7. Tome um banho quente
Um banho quente ajuda-nos a relaxar e também nos aquece por dentro, deixe-se ir e usufrua, relaxe, sonhe. Mime-se e saboreie esses pequenos prazeres, desnude-se das preocupações e angústias nesses pequenos momentos.

8. Hobbies
Os sentimentos de realização e autoconfiança são os sentimentos que muitas das vezes sentimos quando adquirimos novos conhecimentos. Ter um hobby estimula-nos mentalmente e cria o desafio pessoal para aprender algo novo, que pode levar a uma maior felicidade.

9. Diário/Anote seus pensamentos
Quando as pessoas escrevem as suas preocupações num papel organizar-me internamente e sentem-se melhor. Se deitarmos fora o papel fora, melhor ainda, é como um desabafo, uma purga.
Por outro lado se escrevermos sobre experiências positivas ficamos mais satisfeitos e gratos para com a vida.

10. Sim, sexo!
Vários são os benefícios relacionados ao sexo, por exemplo, deixa a pessoa feliz ao longo do dia. O sexo melhora o humor para 63% dos homens e 72% das mulheres. Por isso, permita-se, viva o seu prazer, dê...

11. Festeje as pequenas vitórias
Há um grande poder nas coisas pequenas, nas pequenas vitórias. São pequenas recompensas diárias. Pequenos elementos que constroem uma sensação mais global.

12. Exercite a gratidão e faça o bem
Pessoas que têm consciência da sua gratidão possuem benefícios emocionais e interpessoais, o que acaba por ter impacto na forma como se encara a vida. Enumerar os motivos para se sentir grato em vez do oposto torna as pessoas mais felizes. No fim do dia, anote três coisas pelas quais se sente grato. A bondade e a sua prática, deixa-nos felizes.

13. Espalhe a felicidade
A felicidade é um fenómeno colectivo e não individual que se espalha rapidamente, a nossa felicidade desencadeia uma reacção em cadeia que afecta positivamente não só os nossos amigos, mas todas as pessoas interligadas, inclusivamente nós mesmos. Investir nas outras pessoas promove a nossa própria felicidade.


14. Cultive amizades saudáveis
Reserve um tempo para ficar com seus amigos.
Alguns dos benefícios de ser e ter amigos:
·         Aumenta o sentimento de inclusão e de propósito
·         Aumenta a felicidade e reduz o stress
·         Melhora a autoconfiança e a auto-estima
·         Ajuda a lidar com traumas
·         Encoraja a alterar ou evitar hábitos pouco saudáveis
Desligue o telefone e fale cara a cara, olho no olho, só o estar com alguém, já é positivo em si mesmo.

15. Livre-se do ressentimento.
Manter ou viver em mágoa dificulta seguir em frente e curar as feridas. Livrar-se do ressentimento leva à cura ou à paz interior, o que não deixa o passado interferir no presente.

16. Pratique o auto-cuidado.
Cuidar de nós significa saber escolher comportamentos que equilibram os efeitos emocionais e físicos de experiências que nos causam stress.
Fazer exercício, ver o mar, sentir o sol na pele, imaginar o prazer, brincar com animais, comer alimentos saudáveis ou de prazer, rir o suficiente, praticar Yoga ou técnicas de meditação ou relaxamento, abster-se do abuso de substâncias, fazer psicoterapia, são exemplos de práticas de cuidado. 

17. Faça Yoga (ou outro desporto).
Não é de hoje que ouvimos os benefícios da prática de Yoga na redução de stress e no bem-estar. A prática de Yoga tem mostrado efeitos positivos sobre depressão e a ansiedade. Qualquer desporto praticado com prazer e vontade causam uma sensação de prazer duradouro.

8. Coma melhor, escolha os nutrientes.
Uma vez que você está incorporando acções que melhoram o seu bem-estar para ser mais feliz, é importante acrescentar o consumo de nutrientes que vão melhorar a sua saúde mental, pessoas com uma alimentação saudável são menos susceptíveis de ser deprimidas.

19. Tenha muitas flores a sua volta
Uma vida florida, é uma vida feliz. As flores causam impacto nas emoções, o que nos leva a sentirmos menos ansiedade.

20. Não seja tão duro com você mesmo
A autocrítica nos deixa impotentes e perturbados, a auto-compaixão é a fonte da capacitação, aprendizagem e força interior.

21. Tenha coisas amarelas
Estudos afirmam que as pessoas mais felizes preferem o amarelo (veja o sol).

22. Diminua o stress
A nossa saúde fica em risco quando o stress é crónico, surgem diversos problemas de saúde, como ansiedade, problemas de sono, depressão, que afectam o nosso humor. Há que de forma activa encontrar maneiras de reduzi-lo para uma melhor qualidade de vida.

23. Seja optimista, force um sorriso
O pensamento positivo não significa que você ignora situações menos agradáveis da vida. Apenas que você lida com os aborrecimentos de uma forma mais positiva e produtiva, as pessoas podem combinar uma visão positiva (optimistas) com a perspectiva clara dos pessimistas. Usar o realismo para um melhor desempenho nas várias áreas da vida permite que se evite o domínio da infelicidade.

Sorrir mesmo que não apeteça, melhora o nosso humor pelo poder da sugestão, aproveite e pense que vai dar tudo certo.

24. Tenha conversas significativas
Existe mais bem-estar em ter conversas mais significativas do que conversas superficiais, isto porque instiga em nós a sensação de intimidade e incute um senso de significado maior por causa dessa interacção.

25. Enfrente os seus objectivos
Pessoas que estão no processo de realizar algo podem experimentar stress temporário, mas os benefícios desse percurso aumentam a felicidade a longo prazo.

26. Reclame (mas da maneira certa)
Reclamar tem efeitos positivos na nossa saúde mental (Guy Winch), expressar uma preocupação em vez de uma simples queixa permite identificar o problema para então se poder tomar medidas positivas para resolver o problema ou melhorar o resultado.

27. Guarde dinheiro
Saber que há uma segurança financeira cria um impacto no nosso bem-estar geral.

28. E Gaste dinheiro com vivências
Existem estudos que comprovam que as pessoas que compram experiências em vez de apenas coisas são mais felizes. Por exemplo, viagens, concertos, aulas de dança, causam muito mais felicidade e bem-estar, tornando-se ainda melhor se se partilhar com a família e amigos.

29. Use o email para mostrar apreciação
Perca dois minutos e escreva a alguém, dizendo-lhe algo positivo, o que gosta e o que lhe deseja. Combata o negativo e espalhe boa energia por quem ama e aprecia.

Simplesmente tente ser feliz. Ser responsável pela nossa própria felicidade fomenta o nosso bem-estar. Convença-se, aprofunde a sua espiritualidade e faça-se a um melhor caminho para si mesmo. Ser feliz dá trabalho, nem sempre corre bem, mas pode levar a um final mais feliz, ainda que possa não ser para sempre.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Escuridão e Luz

No gabinete vejo pessoas constantemente em luta com os seus monstros internos, com traumas, medos, inseguranças, vergonhas.

Vejo pessoas em lutas diárias para definirem em si uma melhor versão de si mesmos, um estado mais tranquilo ou pacífico. Lutas para serem eles mesmos e ganharem um eu forte na sua intimidade, ganharem uma imagem de si aprazível. Vejo-as críticas de si e do mundo, perdidas num cinismo que as amarga, numa viagem sem janelas para o mundo.


Vejo a necessidade de crenças emprestadas, de um esperança impingida, de um conceito de felicidade ou de amor como se  estes pudessem ser consumíveis. Vejo-os pedintes de afecto, de atenção, de cuidados, incapazes dos esforços necessários para mudarem o tabuleiro a seu favor por falta de forças ou verdadeira motivação.




Vejo um mundo cheio de pessoas que se julgam perdidas, deprimidas de afectos, sós, atafulhadas de camadas protectoras que as inibem de sentir. Vejo raciocínios que camuflam, intelectualidades que disfarçam, jogos de escondidas que inibem de encontros com a essência. Vejo pessoas presas em caixas, de olhares postos nos outros como referências cruciais, pessoas que se tornaram reflexos de si e não as suas verdadeiras entidades. Vejo os que chamo bússolas sem norte ou barcos sem âncora.

Vejo retratos de um mundo novo, cheios de questões sobre o que está a mudar e como sobreviver num mundo que mudou depressa. Vejo máquinas respondentes e andantes, reactivas aos estímulos, sem uma verdadeira interacção. Vejo automatismos linguísticos vazios da reflexão necessária. Vejo pessoas que são capazes de gritar os seus sentires disfarçados nas frases dos outros no mundo digital, escondidos na distância de teclados. Vejo-os mudos no seu mundo. 

Vejo pessoas exaustas, saturadas, com sensações de ratos em ratoeiras. Vejo olhos vazios, mãos gastas, rostos cravados de rugas expressivas. Vejo fantoches e marionetas, vejo desespero e sofrimento excruciante, feridas em dor lancinante.

Vejo viagens não pensadas, não planeadas, sem destino, ou apenas com destino. Vejo pessoas crianças, sem hipótese de crescer, de ser. Vejo mãos estendidas, braços pendidos, corpos sequiosos de abraços fechados, de mãos apertadas. Vejo lábios rectilíneos, sem curvas, sem movimento.

No meu gabinete às vezes vejo o escuro, a escuridão, o degredo, a anedonia, a ausência de espaço respiratório. A dor em todos os seus limites. O humano em todos os seus disfarces, em todas as suas facetas e disposições. Vejo a desesperança e o desespero, vejo carcaças vazias.


Tudo isto é natural, pois no meu gabinete procura-se ajuda, procura-se sair destas visões, destes estados, destas maleitas fétidas que corrompem o caminho único que é viver. Tudo isto é humano e para muitos até consegue ser poético porque se passa às palavras, ou à pintura, música, às artes...para muitos outros é só isto, dor.



E por ser assim, eu contrario as regras de posicionamento terapêutico e sento-os de costas para a porta, de frente para a minha janela, cheia de luz, de vista para o mar e trabalho o inverso de tudo isto. Faço-o como pessoa, que também viajei, que também conheço os sítios de onde eles partem, ou onde eles param. Faço-o, convencendo-os que não pensem na porta e sim em si mesmos, nas suas próprias saídas, sem namoros pelas saídas fáceis ou ilusórias. Acompanho de mão dada o caminho pelo sofrimento crescido, que pode levar à luz que está em frente.

Faço-o mesmo sem saber as dimensões da escuridão, porque não é preciso. Só preciso de me ligar a eles empaticamente, sem comparar sofreres, percebendo apenas a dimensão do sofrer no outro. Faço-o como terapeuta, como mãe, mulher, ser humano, faço-o com apenas o propósito de os nortear, ensinar a verem dentro de si, a reacreditar, a renascerem dentro de si mesmos. 

Faço-o às vezes com um toque, um abraço, um silêncio ou uma piada. Faço-o não dizendo nada, dizendo-lhes o que me disseram ou descobrindo o que não querem eles ouvir. Acima de tudo acendo as luzes, sublinho o bom, destaco o que já foi, identifico o que foi, o que é e o que será, sem contaminações. Sou talvez uma professora da esperança, da fé em si próprio, sou talvez uma mão dada para o caminho de subida do fundo de um sítio qualquer para onde caímos de vez em quando.

Talvez tenha de ser um apoio no degrau, ou talvez tenha de ser o empurrão gentil que precipita as coisas. Tenho é de ser algo positivo, constuctivo, iluminado. Estamos num mundo com dor e sem tempo. Com sofrimento e pouco afecto. Estamos num tempo que precisa de dar espaço para ser, mas que se mede em ter. Este século será um desafio a nós próprios, o desafio de aterrar dentro das nossas luas, saber sobreviver à ausência de ar respirável, de criar recursos internos que nos sinalizem os perigos aos quais nos entregamos quando perdemos o nosso eu nas pressões que circundam.

Estamos num tempo em que temos de saber estar só, em que não podemos não apreciar o que somos e o que nos rodeia. Um tempo em que é preciso saber parar relógios, saber criar intimidade connosco e com os outros, em que temos de treinar pensares para a sobrevivência, para o encontro. Num tempo egoísta temos de treinar o altruísmo. Temos de ter o outro em conta, sair do sítio.

Precisamos de aprender, gerir, trabalhar as perdas, construindo felicidade. Temos de sobreviver para existir, para ser, para reconhecer e sonhar.

O Homem tem destruído alguns dos pilares que criavam proximidade com o divino, com a natureza, com as fontes externas de esperança, sem se aproximar de dentro, de si mesmo, sem arranjar substituto para a sua fé, para ter acesso à criação de uma esperança interna. Há uma sensação generalizada de se estar desprotegido, só, desamparado, perdido em movimentos automáticos impostos por uma sociedade que somos nós. 

Deparamos-nos com momentos que achamos importantes, sem poder dar-lhes essa importância, tendo de carregar culpabilidades em vez de conseguir em proactividade reordenar as prioridades pela ordem que lhes era devida. Estamos presos, e ao longo dos anos a consequência vê-se nas cadeiras do meu gabinete. Vê-se nos comportamentos da sociedade, nos jovens que crescem.

Vê-se nas problemáticas do amor, da exaustão, da depressão, de uma ansiedade generalizada, de um desassossego desmedido regrado cada vez mais por medicação ou desesperos aparentemente sem saída.


Mas neste mesmo gabinete também vejo a força humana, a resiliência, a capacidade de superação, a mestria nas tormentas, a capacidade infinita de redescoberta, a vontade motriz que pode mover mundos, vejo as não desistências, a pequena chama que se transforma em fogo quando se lhe dá um sopro. Vejo gigantes, guerreiros, lutadores sem tréguas. Vejo a beleza imensa do ser humano, nas suas capacidades, naquilo que está por explorar, no mais além que reside dentro de nós, ainda que dentro de limites muito próprios. 


E essa visão faz falta por todo o lado. A visão de que somos capazes de, na nossa vida, junto dos nossos, de quem nos rodeia, reflectir o que essas pessoas são, o que vemos nelas, o seu potencial máximo, o seu melhor lado, as suas forças e habilidades. Faz falta não sermos críticos e sermos apoiantes. Faz falta olhar o outro com beleza e a neutralidade de não reflectir. Faz falta dar, ter tempo, olhar, ouvir, querer. Faz falta parar, respirar, sentir. Faz falta querer ser, reconhecer e lutar por.

Os tempos mudam, mudam as nossas necessidades, as nossas dores, fazemos ciclos, passamos por fases, mas a essência, o crucial, a fé, a esperança, a magia, os sonhos, não podem ser perdidos ou despojados num canto qualquer, que nos leve de todo a beleza de estar vivo, com dores e sofrimento, mas com a capacidade de seguir em frente. 

Temos a responsabilidade e obrigação de fazer valer o caminho, de nos respeitarmos ao ponto de querer descobrir o que vem a seguir. O dever de não poder não acreditar. A paixão de nos fazer querer viver. Estamos num tempo que temos de parar e reflectir, trabalhar a gratidão em nós e reconhecer que precisamos todos uns dos outros. E todos temos impacto uns nos outros. O tempo de saber ser, com o pacote todo, saboreando o todo, criando novas formas de fé e de esperança, trabalhando o nosso eu para um estar mais positivo, mais centrado, mais em paz e aceitação. Um tempo para sentir muito, viver bem com isso e saber deixar a nossa pegada, positiva, cuidada, em tudo o que fazemos. Um tempo de gostar de nós e dos outros, de dar o nosso melhor, de dar, dar tudo, dar muito e aguardar as leis da reciprocidade.

Bem hajam os guerreiros da humanidade, os sobreviventes, os lutadores desta caminhada maravilhosa e desafiante. Admiro todos os que andam nesta luta...não é fácil, mas tem tanto de bom.