terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

É proibido morrer, não me envelheças nas mãos...


O envelhecer, a morte dos nossos, a perda de capacidades, a entrada numa estrada que nos assusta...

Este tema não nos é fácil, mas é um tema que me aparece tanta vez em conversas...como nos zangamos com a Vida e com os que nos envelhecem na mão, como nos culpabilizamos a toda a hora, de na volta do minuto, nos arrependermos do que acabámos de dizer...que revolta é esta que a nossa voz transporta, contra os que amamos, mas envelhecem ao nosso olhar...

"Chego, convicta de que vos vou abraçar com palavras, gestos de ternura e carinho, e que vos vou compreender, talvez até aceitar todas as vossas peculiaridades, sonho com o colo que tive, ou com o que quero, com o vosso gesto de total admiração por mim vossa filha, entidade que vem de vós...quero essa sensação, durmo com alguma culpa no colo, por estar longe, porque me vejo sempre confrontada em ser convosco a pessoa que não sou nestes meus sonhos em que vos vejo eternos, presentes, à mão de semear e prontos para me darem uma debandada se assim fosse necessário, mesmo sendo eu agora mulher adulta.

Mas, quando ai chego, quando estendo o rosto para o beijo habitual, ou para que de um abraço surja o meu grito alto de amo-vos...começo logo a ser quem sou, talvez criança assustada por vos ver a envelhecer, a partir de mim todos os dias um pouco...apareço refilona, a contrariar a vossa essência, a ditar regras, a manter-me firme nos meus pressupostos de adulta, talvez com muito tempo e cheia de medo dele e do que me sobra."

Ultimamente tenho-me confrontado com os desabafos de filhos, que ao verem os seus pais envelhecerem, adoecerem ou, porque sentem as perdas das suas capacidades, surgem numa angústia terrível. 

Consigo vestir o fato, porque também eu sou filha...sei que nos sentimos em desconforto porque se está longe, estando perto, ou porque não se pode estar perto, porque se quer dar e não se sabe bem o quê...porque se quer escolher por eles, porque se quer poupar a sua vida e prolongá-la até mais não...e por vezes nessa batalha própria e contra a vida que os leva, não os ouvimos, ou, esquecemos-nos num egoísmo muito próprio, que somos nós que às vezes porque os queremos tanto, que não conseguimos ver que eles se estão a acabar, ou a desgastar...e que não é agora que vamos batalhar diferenças, maneiras, estados de alma ou de acção...a partir de agora estamos cá para ser...para dar aquele abraço, ouvir o que têm a dizer e às vezes, pouco mais.

Oiço a história da filha que ao ter um pai de 80 anos diabético, luta para que ele não coma doces, para que faça exercício, para que cumpra ditaduras médicas (completamente justificáveis), mas que do ponto de vista humano, questiono eu, é com essa idade que a pessoa se vai privar? É ético exigir isso, porque como pagamos a saúde uns dos outros, não queremos as consequências de um comportamento não preventivo, ou, é nosso dever de filhos, substituir a capacidade de decisão própria e o seu livre arbítrio, porque a consequência dessa atitude, um, nos pode privar mais cedo da sua companhia, ou, dois, nos pode envolver nas consequências não ponderadas pela perpetuação de comportamentos de conforto (paliativos) para com os nossos familiares envelhecidos?

Somos nós que decidimos onde eles vão ficar? Ou, somos nós que temos de os deixar decidir? E como articular qualquer uma dessas decisões...?

Como viver, com estes novos "eles", que amamos e às vezes, no nosso passado comum, enfrentávamos e tentávamos que nos vissem como crescidos, mas que no agora, precisam que nós (talvez) sejamos mais do que tudo, uma vez mais, receptores das suas vontades, conversas, desabafos, traquinices...sem perda da sua autoridade, hierarquia, estatuto?

Como posso eu, querer ser a adulta que sou, gerir a minha vida, ter família e toda uma série de responsabilidades, e mesmo assim, entender que a minha mãe ou pai, se me perguntam se eu levo casaco, ou se volto cedo para casa, ou se sei basicamente tomar conta de mim, me estão a dizer que me amam, que ainda querem ter essa autoridade, ou sentir que ainda zelam por mim...como posso eu zelar por, então?


Nesta altura, vejo que todas as pequenas coisas que sempre caracterizaram a relação de pais e filhos ao longo de uma vida, de repente, se tornam incómodas, levam a discussões minúsculas, que nos afastam dos medos reais...onde estão vocês amanhã? E, que faço eu, sem vocês?



Levam a angústias de nos julgarmos constantemente, porque se disse ou se fez, algo que não se queria, ou porque não se fez como se queria. Questionamos-nos por tudo, numa culpa vazia, que nos prepara para o segundo, terceiro, quarto round...em repetição, porque não fazemos nada de novo...


Paremos com culpas, usemos o tempo de forma útil e não deixemos que se misturem as coisas, é o melhor que podemos fazer para lidar com tudo...eles são eles e, sempre foram. Nós somos nós e sempre o fomos, encontrar o equilíbrio é respeitar que nada mudou, só o tempo, e o peso que ele nos deposita nas costas...é apenas um desabafo, em própria pele e em pele de outros, normalmente acabamos por conseguir equilíbrios, é só continuar a olhar na direcção certa, baseados no amor que nos une...

Não partam, não queremos que partam, é só isso, não é?!

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