terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Somos sós...numa sociedade só?

 
Tem companhia?
Tem quem o oiça?
Sente-se ouvido?
Quando precisa de alguém, tem?
Tem amigos?
É amigo?
Gosta de estar só?

Que caminho vamos nós caminhando enquanto sociedade, na companhia ao próprio, ou ao outro? Que tempos temos para dar a nós mesmos, para que tenhamos essa presença, a presença junto da família alargada, dos amigos próximos, de si mesmo...

A nossa sociedade constrói-se cada vez mais de um espaço onde se existe, supostamente numa vida montada em facilidades novas e modernas. Temos máquinas para quase tudo, temos carros que nos levam de um sítio para outro numa velocidade incrível, temos sítios onde conseguimos tratar de muitas coisas ao mesmo tempo, temos a vida organizada em blocos de tempo de forma a podermos trabalhar, cuidar do corpo, comer, dormir, ser feliz...

Será? Será que é assim mesmo, que no meu dia da vida gerida dessa forma, compactada ou super-organizada, conseguimos ser, existir, ir além do fazer e do ter?
Será que nessa organização para a busca do El Dourado da felicidade suprema, existimos de forma plena? Será que conseguimos SER?



Temos nós neste estar de sociedade actual...espaço para termos companhia? Vivemos mesmo em sociedade no sentido de grupo, ou vivemos em solidões disfarçadas de um mundo tecnológico de companhias virtuais. 

Estaremos a ser criados, desenvolvidos em "galinheiros" emocionais, onde o "Olá, estás bem?", passou a ser o bom dia de antigamente. Em que a resposta nem sempre vinha, ou nem sempre se queria saber, fazia-se apenas por uma questão de educação...será que queremos mesmo saber? Será que se o outro quiser dizer, que não, eu tenho espaço em mim para ouvir?

Eu não me sinto, na maior parte das vezes capaz, de viver uma vida socialmente activa, sinto que os meus tempos são raros, e que é com grande gestão, mestria que consigo de alguma forma, quase malabarística, gerir o "outro" na minha Vida...mas, recuso-me a ceder, e a deixar que este vazio colectivo, de alheamento às pessoas que os outros são tome posse de mim, do meu ser social, que eu sei florir na presença humana.

Nós somos seres que necessitamos do contacto, do afecto, do toque, do saber sentir e de sentir em nós a imensidão de afectos que pertencem ao grupo das emoções que só se obtém através de, e nas, relações.

Nós existimos sem o outro?

Eu acho que não. O outro é o espelho de mim, e às vezes a voz do bom senso que me retribui uma imagem de mim, mais doce, mais fiel, mais inteira. O outro comprova-me que eu estou cá, que há razões maiores, para além de mim, para estarmos todos por aqui, nesta caminhada célere, agreste...bela, profícua, intensa, vida em si mesma.

Sentir solidão, não é estar só, é estar vazio. (Sêneca)

Eu não estou vazia, nem quero estar. Não quero redomas, não quero aquários, ou laboratórios experienciais, quero tempo, quero saber gerir a Vida, para saber que não vou só, que não estou só, que não sou só.

Não quereremos todos? E vocês estão bem? 

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Estou a envelhecer e eu sei...


O tempo passa, de uma forma própria, sem intervenção minha...somo os caminhos e as conquistas que enfrentei, sei quem sou, tenho um legado, tenho um património e não sinto que tenha parado...

Mas, nesse tempo que passa, às vezes faço o que critico...não me cuido, numa recusa de saber que estou velha, gasta, cansada...numa tentativa de não querer saber se sinto, o tempo, de forma diferente...

Na tentativa de ocultar de mim, os medos que tenho de me sentir diferente...estarei mais só, ou nesta minha viagem, neste ponto de mim, sou mais só...e não é tudo uma questão de estar?

Levo mais tempo a ser...demoro mais em mim mesma na execução daqueles "algos" todos que antes eu fazia melhor...

Vivo stress com pouca coisa, aprecio mais o silêncio, gosto mais de ordem e a fuga à normalidade assusta-me mais...estou menos elástica em mim...desde a pele até ao pensar. Quero que tudo se vá resolvendo porque o tudo me preocupa.  Às vezes só sossego quando sei que todos os entes (meus), estão no porto, no porto seguro. E que ilusão essa, qual porto seguro?

Às vezes não sei sossegar...porque não sossego em mim as inquietações que tenho pela vida dos outros e pela impotência, no tempo que sinto, de não conseguir ajudar, ou melhor, melhor...resolver.

Acordo de forma diferente e todos os dias me adapto à perda, ao que já fui. Parece que se paro, me forço a ver a Vida como se fosse o meu álbum de fotografias, que tenho no móvel da sala, sinto os lapsos de tempo, tenho uma nostalgia linda, sinto-a no peito, no sorriso dos netos, na carícia do filho, no olhar de amor, de ti...companheiro...sinto-a porque tenho tudo o que consegui, mas sinto o tempo, em mim, numa corrida. 

E tenho de te aceitar, comedor voraz...tenho de aprender que eu, este novo eu, que me acorda todos os dias, vê pior, perde amigos ao bater do relógio, que me esqueço, e que me esqueço que esqueço, que me questiono, me perco, me desregulo nos químicos que por mim passeiam, que me oiço, desde as dobradiças, aos pensamentos, como se dentro de mim, folheasse em simultâneo o tempo detrás e os dias que ainda não nasceram...

Hoje acordo virada ao fim, virada ao saber que os dias que escorrem, têm de ser saboreados, partilhados, sem mágoas, numa tentativa de deixar cair o perdão, como se fosse água em dias de chuva...

Quero paz...minha e universal, não me basta a minha, porque quem sabe o que o tempo é, sabe que tem de começar a organizar, a viver, a por de lado, a deixar cair, a seguir, a respirar fundo até sentir as costelas todas esticadas, no minuto que se perde a saborear a vida, como se fosse o sal que se lambe dos dedos, ao comer churrasco...sabe melhor quando se viveu muito tempo...

Tudo sabe melhor, porque também parece que se tem mais tempo, dentro do pouco que se sabe que se tem...é estranho, mas vivemos assim. Eu sei o que queria. É engraçado, quando tinha 18 anos, sabia muito sonhar, mas não sabia tudo o que queria. Agora, se me dessem a oportunidade, enchia um livro...

Aprende-se a saber o que se quer. Mas fugimos dessa sapiência quando toca ao sentir da perda. Tenho de ir aos médicos, como se eles fossem meus amigos, vejo-os mais a eles, do que a família. Tenho de adquirir uma série de "ajudantes para a vida", só para ver, às vezes, preciso de dois pares de óculos. Tenho caixinhas com medicamentos, tenho de me lembrar de pôr lembretes do que quero fazer, tenho agendas com datas médicas, para saber de ontem tenho de perguntar, mas lembro-me bem de há muitos anos. Engraçado, como disse...O tempo ganha outra dimensão.

Às vezes gosto de saber que me ouvem, tenho tanto testemunho a passar, tanta história a revelar, tanta emoção que quero reviver, sentir hoje, como se pudesse com isso saborear de novo esses caminhos, que hoje já não calcorreio.

Falava de legado. Era isso que eu queria deixar. Nas conversas que tenho, nas minhas memórias que dou. Quero muito isso, neste envelhecer, dar de mim, fazer o outro saber, para que este caçador voraz, não me leve isso, e quem fica, saiba manter-me um dia, nesses lapsos de tempo que dei, que eram meus e agora podem ser de novo do mundo.

Estou velha, mais velha. E neste passar do tempo, queria tanto ainda tocar o mundo, com a pontinha dos dedos. Deixar as minhas estrelas, no céu escuro. Deixar, na boca dos netos, as histórias que contei, na fatia do bolo quente, na torrada com mel, no sorriso da minha boca, no fim de um ralhete. Queria tanto não me sentir só comigo, não sentir que não tenho quem me escute.

E porque sei tudo isto, contei...e no contar pedi, e agora aguardo que me tenham ouvido e me consigam ir dando, isto tudo que disse e que tenho medo de me esquecer, que no fundo só quero, saber que me amam, no ouvido emprestado, no mimo que não fica guardado.

Estou a envelhecer, eu sei...toma conta de mim.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Limites do Guardião


Há momentos na Vida em que embora tenhamos inspiração, os desafios que nos oferecem são superiores à vontade dos textos que se criam mentalmente em resposta às necessidades que nos rodeiam...às palavras que nos bailam no pensar, para com elas chegar aos outros, como se fosse uma mão de apoio...um braço que se estende...

Comecei este blog, com a vontade de convosco ir partilhando pensares, desabafos do que faz parte da Vida...com vontade de manter a esperança que baila em mim, quando olho a Vida...com vontade de que de alguma maneira as minhas palavras pudessem sair do meu consultório...fazer chegar uma pequena gota de afecto...mas, os últimos tempos foram agrestes...puseram a minha capacidade de gerir a Vida e os sentires à prova...fizeram-me gerir a vida como se se tratasse de apenas tentar flutuar...tentar manter-me à tona...e com isso aprendi que se pode viver algum tempo, em piloto automático, gerindo os pequenos fogos que nos rodeiam sem grande espaço para o extra, fosse esse extra positivo ou não...

Gostava de dizer que estou de regresso, porque escrever é uma paixão minha...mas, não sei...vou tentar definitivamente, porque não gosto de desistir de sonhos...mas não falarei de tempos...

O meu texto de hoje talvez seja um pouco sobre limites...os nossos, os dos outros, até os da dor...limites que se põem à prova no dia-a-dia...no viver, no respirar, porque há dias, ou momentos ou, Vidas, durante os quais...até custa a respirar...

Conheço uma pessoa (muitas, eu mesma, tantas outras em mim e por ai...mas aqui vou falar como se fosse apenas uma, como se fosse uma história) que às vezes, muitas vezes, se sente no seu limiar de existência; aqueles dias em que a pessoa se sabe forte, se conhece bem, sabe as suas capacidades, mas o botão de pânico activou-se, e de repente parece que tudo resvala, o prato encheu-se de tal maneira que mesmo com extremo cuidado, estão sempre coisas a cair, por muito que se equilibre, do prato resvala tudo...já não é só o que está a mais, até porque já nem se sabe ver o que é o "a mais", é tudo...

E nesses dias, a pessoa capaz, sente-se desconhecedora das suas fraquezas, confronta-se com as suas limitações, inibe-se de ser feliz, desespera, escurece, envelhece, mentalmente namora desistências, respira mal, dorme mal, come mal, ri pouco, e desperta uma anestesia, uma letargia, que lhe mostra "Olé!" atingi o cume de mim mesma, e daqui, não vejo nada, subi tão alto, que olhe para onde olhe, não há objecto no horizonte, ou, desci tão baixo, que nada me ilumina o caminho de regresso.

Nesses dias, testamos em nós mesmos o guardião de nós, da nossa essência, da nossa alma, do nosso EU...nesses dias temos de activar a defesa máxima, regressar a um zero e retomar o caminho, prestando auxílio a nós mesmos, fazendo exercício das funções básicas, até termos capacidade de fazermos voos mais altos. 


Nesses dias, temos de reaprender a forma de amor primária, de defesa do próprio, de preservação, de sobrevivência. É dia de nos darmos colo, e cuidarmos de nós, pelas raízes, até termos noção de que recuperámos (falo aqui de uma forma global, claro que em muitas pessoas, se estes dias se repetirem, e sintomas mais graves se desenvolverem, a pessoa pode estar a viver uma depressão e deve procurar ajuda médica, profissional, pois por si só não a irá curar, uma depressão não é sinal de fraqueza, é uma doença), até termos a noção que respiramos, olhamos a vida, que a sentimos na pele de novo, com coisas boas e más, mas, com sentimento, sem anestesia...sem viver apenas, e em exclusivo, para flutuar, para sobreviver...acordamos a querer viver, seja de que forma for...e ela, a Vida, que se revele.

Mas, como, chegamos a esse dia? 

Com o caminho de defesa que desenhamos e a acreditar que se quer mais...com um pouco de pensar mágico...de esperança...

Que amor primário é esse?

É o amor que nos defende, e que activa em primeiro lugar, as medidas de cuidar mais primárias: 

  • O dormir bem
  • O comer bem
  • O fazer algo que nos ocupe a mente - algo físico que nos faça descarregar o pensar "ruminante", que nos permita desligar de...ganhar distância
  • O retomar coisas (por pequenas que sejam) que nos costumavam dar prazer
  • O reencontrar de momentos de paz e silêncio (dentro da fé de cada um, desde o ir a uma igreja ou o ir até à beira-mar, o encontro do nosso santuário) 
  • O saborear do momento (mindfulness - fazer o que se está a fazer, com o total intuito de nos focarmos nesse dito momento, sem permitir à nossa mente o vaguear pelos problemas todos que nos assolam, fora desse mesmo momento que está a decorrer)
  • O parar de ter pensamentos negativos ou de impotência sobre o próprio...ter fé...
  • O viver do amor que existe, para com o próprio e os outros...mas primeiro, para connosco

Estas medidas (aqui apenas identificadas, não as desenvolvo porque aqui quero apenas deixá-las como ideias que terão de ser desenvolvidas e às vezes coadjuvadas), focam-nos o olhar, de novo, naquilo que nos compõe, e protege...e permitem salvaguardar em primeiro lugar o físico, para que exista saúde física, para que nesse mesmo processo se comece a cuidar da mente, buscando as energias iniciais, as que antecederam a queda ou a subida ao ponto do meu limite. 


Se eu conseguir, começar aos poucos a desligar o pensar repetitivo, a preocupação excessiva, permito-me o refocar da visão, em primeiro lugar nas funções de sobrevivência, e em segundo, no retomar de permeio as actividades de prazer, que me permitem, sentir pessoa de novo, inteira, vivente e capaz de enfrentar as "travessas" de forma a só ir pondo no prato o que o meu guardião me permitir...

Lidarei com tudo, mas, uma coisa de cada vez...apago os fogos todos, mas identificarei primeiro os mais graves...e não me permitirei queimar a mim mesma na fogueira que eu alimento. Cesso-lhe o oxigénio e faço-a morrer pelas suas próprias mãos, de forma a conseguir viver dentro das minhas próprias muralhas, para depois ir em frente e conseguir (de novo, e de novo...e de novo) ir viver a vida que tenho, na sua plenitude...na sua míriade de ofertas e desafios. 

Nas suas infinitas ofertas de viver eventos milagrosos, de beleza intensa, que vão aparecendo, revelando-se no tempo, desde um sorriso de felicidade dos nossos, ao arco-íris a seguir a uma chuva intensa, que vão desde o saborear uma água gelada num dia de calor, ao sentir o sol quente no rosto num dia de frio...ao ler um poema que nos toca, sentir que uma música nos retrata, ir a um concerto único, comer a comida favorita, receber um elogio por mérito, um "amo-te" expontâneo, ouvir uma gargalhada que contagia...também teremos e temos, e tívemos, ofertas desafiantes, penalizadoras, desgastantes, mas...é atribuir-lhes um peso, uma medida, que nos permita lidar com uma de cada vez.

Permitir que todas as outras pesem de forma positiva e renovem forças, é o caminho e, em último caso, se sentirmos que nos aproximamos de limites perigosos, é activar o guardião...e não permitirmos a nada, nem a ninguém, que atravesse muralhas e ponha em risco a essência.

Bora lá...com a força de cada um...nos desafios da vida única que cada um de nós tem, mas crentes, que com a distância devida, tudo tem solução...que mais não seja, uma temporária...