sábado, 13 de fevereiro de 2016

Estou a envelhecer e eu sei...


O tempo passa, de uma forma própria, sem intervenção minha...somo os caminhos e as conquistas que enfrentei, sei quem sou, tenho um legado, tenho um património e não sinto que tenha parado...

Mas, nesse tempo que passa, às vezes faço o que critico...não me cuido, numa recusa de saber que estou velha, gasta, cansada...numa tentativa de não querer saber se sinto, o tempo, de forma diferente...

Na tentativa de ocultar de mim, os medos que tenho de me sentir diferente...estarei mais só, ou nesta minha viagem, neste ponto de mim, sou mais só...e não é tudo uma questão de estar?

Levo mais tempo a ser...demoro mais em mim mesma na execução daqueles "algos" todos que antes eu fazia melhor...

Vivo stress com pouca coisa, aprecio mais o silêncio, gosto mais de ordem e a fuga à normalidade assusta-me mais...estou menos elástica em mim...desde a pele até ao pensar. Quero que tudo se vá resolvendo porque o tudo me preocupa.  Às vezes só sossego quando sei que todos os entes (meus), estão no porto, no porto seguro. E que ilusão essa, qual porto seguro?

Às vezes não sei sossegar...porque não sossego em mim as inquietações que tenho pela vida dos outros e pela impotência, no tempo que sinto, de não conseguir ajudar, ou melhor, melhor...resolver.

Acordo de forma diferente e todos os dias me adapto à perda, ao que já fui. Parece que se paro, me forço a ver a Vida como se fosse o meu álbum de fotografias, que tenho no móvel da sala, sinto os lapsos de tempo, tenho uma nostalgia linda, sinto-a no peito, no sorriso dos netos, na carícia do filho, no olhar de amor, de ti...companheiro...sinto-a porque tenho tudo o que consegui, mas sinto o tempo, em mim, numa corrida. 

E tenho de te aceitar, comedor voraz...tenho de aprender que eu, este novo eu, que me acorda todos os dias, vê pior, perde amigos ao bater do relógio, que me esqueço, e que me esqueço que esqueço, que me questiono, me perco, me desregulo nos químicos que por mim passeiam, que me oiço, desde as dobradiças, aos pensamentos, como se dentro de mim, folheasse em simultâneo o tempo detrás e os dias que ainda não nasceram...

Hoje acordo virada ao fim, virada ao saber que os dias que escorrem, têm de ser saboreados, partilhados, sem mágoas, numa tentativa de deixar cair o perdão, como se fosse água em dias de chuva...

Quero paz...minha e universal, não me basta a minha, porque quem sabe o que o tempo é, sabe que tem de começar a organizar, a viver, a por de lado, a deixar cair, a seguir, a respirar fundo até sentir as costelas todas esticadas, no minuto que se perde a saborear a vida, como se fosse o sal que se lambe dos dedos, ao comer churrasco...sabe melhor quando se viveu muito tempo...

Tudo sabe melhor, porque também parece que se tem mais tempo, dentro do pouco que se sabe que se tem...é estranho, mas vivemos assim. Eu sei o que queria. É engraçado, quando tinha 18 anos, sabia muito sonhar, mas não sabia tudo o que queria. Agora, se me dessem a oportunidade, enchia um livro...

Aprende-se a saber o que se quer. Mas fugimos dessa sapiência quando toca ao sentir da perda. Tenho de ir aos médicos, como se eles fossem meus amigos, vejo-os mais a eles, do que a família. Tenho de adquirir uma série de "ajudantes para a vida", só para ver, às vezes, preciso de dois pares de óculos. Tenho caixinhas com medicamentos, tenho de me lembrar de pôr lembretes do que quero fazer, tenho agendas com datas médicas, para saber de ontem tenho de perguntar, mas lembro-me bem de há muitos anos. Engraçado, como disse...O tempo ganha outra dimensão.

Às vezes gosto de saber que me ouvem, tenho tanto testemunho a passar, tanta história a revelar, tanta emoção que quero reviver, sentir hoje, como se pudesse com isso saborear de novo esses caminhos, que hoje já não calcorreio.

Falava de legado. Era isso que eu queria deixar. Nas conversas que tenho, nas minhas memórias que dou. Quero muito isso, neste envelhecer, dar de mim, fazer o outro saber, para que este caçador voraz, não me leve isso, e quem fica, saiba manter-me um dia, nesses lapsos de tempo que dei, que eram meus e agora podem ser de novo do mundo.

Estou velha, mais velha. E neste passar do tempo, queria tanto ainda tocar o mundo, com a pontinha dos dedos. Deixar as minhas estrelas, no céu escuro. Deixar, na boca dos netos, as histórias que contei, na fatia do bolo quente, na torrada com mel, no sorriso da minha boca, no fim de um ralhete. Queria tanto não me sentir só comigo, não sentir que não tenho quem me escute.

E porque sei tudo isto, contei...e no contar pedi, e agora aguardo que me tenham ouvido e me consigam ir dando, isto tudo que disse e que tenho medo de me esquecer, que no fundo só quero, saber que me amam, no ouvido emprestado, no mimo que não fica guardado.

Estou a envelhecer, eu sei...toma conta de mim.

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