segunda-feira, 23 de julho de 2012

Perdas de tempo

Tempo...é um bem precioso, constantemente em escassez, a fazer-nos sentir como o coelho da Alice no País das Maravilhas, muitas vezes oiço dizer...porque não tem o dia 48 horas, porquê é que a segunda existe? Desabafos de quem sente o tempo fugir, nos momentos não só de prazer, mas também nos de responsabilidade.

Então, pergunto-me eu, porque gerimos mal o nosso tempo?

Porque perdemos tempo com coisas de pouca validade?

Porque não aproveitamos os tempos que temos?
 
Porque nos questionamos nós, nas relações de amor, se o comportamento dos nossos companheiros é intencionalmente negativo? Porque demoramos a fazer as pazes, a pedir desculpas?

No trabalho que faço, junto de alguns casais, deparo-me, com mágoas e zangas profundas, que resultam de um acumular daqueles momentos de discussão e de falta de entendimento, que poderiam ser evitados, se todos nós, envolvidos nestes processos de nos relacionarmos, conseguíssemos às vezes ganhar alguma distância e ver de fora, ter um olhar mais "distante", para conseguir, adoptar um comportamento ou atitude mais positivas.

Muitos dos casais que vejo gostam um do outro, e às vezes gostam mesmo muito, mas parece que transformam as falhas uns dos outros em actos intencionalmente praticados, como se tratassem de pequenas vinganças, ou actos de maldade, para que possam então permitir-se a si próprios motivos ou justificações, para umas discussões, que nos permitem então azedar as coisas, deitar fora as pressões do dia, as chatices com a Vida, ou sei lá que mais. E nesse momento vitória, tenho o inimigo em casa, posso descarregar nele tudo aquilo que não sei bem porquê me aborrece, me zanga, me frustra, e em vez de me entregar com amor, para gerar reacções positivas de carinho...parece que aprendo, como os miúdos, a chamar a atenção pela negativa, à procura do castigo. E pior de tudo, às vezes a zanga acumula-se a ponto de eu acreditar, que este outro ser de quem eu gosto, faz estas coisas de propósito para me irritar, em vez de entender, que essas diferenças já lá estavam, lá estarão, e muitas delas em tempos me atraíram.

Perdas de tempo...

Severas perdas de tempo...quantas vezes ganhávamos mais, se naquele momento, onde a chama acende, conseguíssemos parar e pensar que o escape não pode ser aquele, que cada zanga, me faz afastar e deixar de gozar um momento que poderia ter todo o potencial para me fazer rir, para me fazer vibrar e viver este e aquele momento da minha vida, como se não houvesse mais tempo.

O tempo é uma oferta, uma dádiva, e tem uma certa duração, que desconhecemos, aceitemos o nosso tempo, e em vez de não o enfrentarmos, vamos olhá-lo de frente e fazer uma gestão do mesmo, como se a todo o momento nos conseguíssemos lembrar que ele não é eterno, e que a todo o momento podíamos fazer coisas diferentes se conseguíssemos não ceder a pensamentos que não nos ajudam, e travam o caminho.

Vamos usar o tempo para evitar perdas de tempo...5 minutos servem para uma leitura leve, para uma caminhada, para um café mais demorado...10 minutos servem para uma caminhada maior, um beijo, um fazer amor rápido, um lavar de roupa...15 minutos, servem para um banho prolongado, fingindo que não tenho pressa, esvaziando a cabeça, como se não fosse trabalhar logo de seguida; servem para um abraço e dois dedos de conversa, escrever uma nota ou um postal a quem gostamos...20 minutos, servem para ajeitar o quarto, para um pintar de unhas, para uma volta de bicicleta...30 minutos, servem para adiantar o jantar, tomar um banho em conjunto, uma bela conversa, tomar uns copos de vinho em silêncio, massajar uma zona do companheiro...e neste gastos, uns de prazer, uns de obrigação, lutamos numa batalha contra esta roda que não pára, mas não o fazemos funcionar contra nós.

Estar numa relação faz-nos perder muitos tempos, se nos dedicarmos à técnica de investigação...eu vou ver tudo o que ele ou ela fazem de mal, e vou fazer questão de lhe apontar tudo isso...somos seres que precisamos mesmo disto, ou é melhor refilar com quem de direito, e em casa sermos muito mais tolerantes.

Já se imaginaram como uma gota de água a cair, em algo metálico, uma noite após outra, enquanto vocês estão a tentar adormecer? Sabem que coisas como estas podem levar o cérebro humano a fazer disparates que nunca pensou ser capaz? Que podem levar a uma loucura e impaciência feroz...

Nas nossas relações temos mesmo que apontar...? Temos mesmo que andar a perder tempo? Ou posso apelar a que todos nós, pensemos um pouco, criemos maneiras saudáveis de descomprimir, e consigamos dessa forma chegar ao nosso castelo, com tolerância, com carinho, com vontade de amar e aceitar as diferenças que nos unem.

Que sejamos capazes de vencer o tempo, e geri-lo em nosso favor, como se o tivéssemos na mão, na sua totalidade, como se este durasse para sempre...as crianças na sua inocência e capacidade de amar e perdoar, conseguem fazê-lo...um dia uma mãe que eu acompanho, disse-me que a filha lhe tinha perguntado: "porquê é que o tempo dos adultos passa mais depressa?"
...pensemos todos nisso, e parem de perder tempo!

sábado, 21 de julho de 2012

O sexo no cérebro...

Falemos de umas conversas que tenho tido sobre sexo e como este assunto pode complicar muito, mesmo muito, as coisas entre um casal. Antes, esclareço que vou misturar exemplos da minha experiência de ouvinte, e que por vezes talvez exagere um pouco os exemplos, de forma a provocar reflexões mais poderosas...a mudança só ocorre se o que lemos nos toca de alguma forma...

Estou no meu dia, nas minhas rotinas, e lembro-me do meu companheiro, da nossa história, dos nossos beijos, segredos, partilhas. Sonho, imagino-nos juntos, a dançar, a trocar poesias e cartas de amor, queima no peito o sentir, paixão, amor...tenho vontade de o ter, de o sentir, tenho vontade de fazer amor, de lhe dizer ou fazer-lhe sentir esta vontade, esta intensidade, e durante o dia, a fantasia não me abandona, segue-me, sinto-me diferente, tudo se intensificou, o tempo lentifica-se, as sensações aumentam...vou fazendo destes possíveis encontros filmes, fantásticos, carregados de pormenor e sentir, filmes que vejo e revejo até estarem na sua perfeição, e vou com eles num grau de crescente excitação e sedução, de mim, e dele...

Alguns dias, algumas vezes, durante os nossos dias, as nossas fantasias voam para um lugar que nos permite ser um ser sedutor, com prazeres, que queremos entregar e partilhar com os nossos companheiros, de um erotismo forte e presente, outros dias, queremos ter só o nosso amigo, que nos vai abraçar e compreender, outros dias, não queremos nada, pois não sabemos nem sequer ser...hormonas? Cansaço? Feitio? Cromossoma x?

Não sei, não sabemos, facto é, que o nosso apetite por sexo, pode não ser igual de dia para dia, de hora ou segundo para segundo, e muitas vezes de mulher para mulher.

Mas pior do que isto tudo, a que podíamos chamar a ignorância do funcionamento amoroso da mulher, é o facto de que para o ser feminino, mesmo até no meio do próprio momento de fazer amor, um pequeno elemento distractor, pode fazer apagar não uma chama, mas um incêndio de amor...e assim se perde o momento e a vontade...

Falava com algumas clientes minhas que diziam em tom de brincadeira, independentemente de gostarem dos companheiros e de gostarem de fazer amor, que há momentos em que sentindo que o companheiro precisa, elas se predispõem ao "sacrifício", dizem-no, brincando com esta palavra, como se não fosse verdade, mas no fundo às vezes é...pensemos, que o casal na maior parte das vezes só faz amor quando a mulher também quer, pois, hoje em dia, na maioria dos casais, não temos o senhor feudal que exige o corpo à esposa como parte dos votos de matrimónio, sendo assim temos nas nossas mãos o poder de só fazermos amor quando queremos e eles? Em que pé ficam? E se nós não quisermos  muitas vezes, porque para muitas de nós sentimos que por agora não precisamos, ou não queremos, ou não nos apetece, ou não é uma prioridade? O cansaço por exemplo, sobrepõe-se à vontade da entrega, sim ou não? Um miúdo acordado pode fazer com que o desejo se esfume, etc...


E se nós, que para fazermos amor, precisamos do cérebro excitado, do cérebro carregado de fantasias e filmes vistos e revistos, tivermos um momento de apagão, deixamos desta forma os homens, que no acto físico de fazerem amor connosco, se entregam em toda a sua fragilidade, e em todos os seus gestos nos demonstram os seus afectos e sentir, pendurados no vazio de não nos terem, pois nós também nos perdemos algures.

Fazer amor para um homem, com a mulher que ama, é gritar em plenos pulmões, em cada acto, uma promessa de amor, de dedicação, de fragilidade, e nada está a funcionar a nível cerebral (ou muita pouca coisa), e nada os faria desligar ou parar este bailado de entrega, no entanto, vivem com um ser que a meio da entrega, por muito que as suas partes físicas se sintam prontas a acolher o companheiro, se existir qualquer factor, e eu repito e sublinho, qualquer factor mesmo, que se atravesse no seu pensamento, pode existir um shutdown global, que implica muitas vezes, ou uma entrega até ao fim, mas com a cabeça e corpo num outro espaço...ou uma interrupção, uma perda.

Quantas mulheres me dizem, que às vezes, quando o seu companheiro as está a beijar, naquele sítio que para elas é especial - curva do pescoço, meio das costas, joelho, sei lá, e de repente já não é, já foi, apagou-se e o sítio mudou, e a própria mulher não sabe para onde, e se ele insiste, e então passa a incomodar, surgem pensares de "despacha-te", "não vês que eu não estou a sentir nada", "o teu bigode pica-me", esperando que ele adivinhe, o que tento mostrar por afastamento, por barulhos de desconforto, mas não a falar, isso não, queremos que eles entendam o que nós também ignoramos.

Aos meus casais, explico que para a mulher o orgão sexual é o cérebro, e é este que tem de ser mimado, mas também explico, que o nosso corpo é como aqueles jogos de testar reflexos, em que lâmpadas se acendem e apagam, e nós temos que as ver acender e bater nelas muito depressa, antes que outra se acenda...no nosso caso, os nossos pontos eróticos, espalhados pelo corpo e que são activados pelo cérebro, como se este fosse o portão que aberto permite sentir, fechado, congela no tempo as sensações, vai brincando connosco e com os nossos companheiros, acendendo algumas luzes ao longo do tempo e apagando outras.

Mais, cabe-nos a nós mulheres, se realmente queremos fazer amor, ou amar o nosso companheiro, estar atentas ao portão, e se ele ameaça fechar-se (porque me lembrei que não paguei uma conta, esqueci-me de dar um recado à educadora do menino, não comprei a prenda para a minha sogra, porque o bebé chorou, etc...) então temos que nos treinar, e com a força de pensamentos que sabemos ter, em fantasia com quem amamos, treinar imagens que chamamos à "Recepção" do nosso cérebro, nunca à sala de espera, de forma a activar de novo o jogo das luzes. Cabe-nos a nós treinar esta capacidade de nos voltarmos a ligar à vontade, redescobrir o sentir, e PEDIR, que ele não toque nas luzes apagadas, e PEDIR para que joguem o jogo da procura, e descubram em conjunto, quais as que se acenderam.

E assim fazemos amor quando todos queremos, num jogo de sedução intenso, de proximidade, que acaba, connosco num estado de fusão emocional, que une, que agrada e que excita...e estas diferenças, não atrapalham, são entendidas e integradas na Vossa dança, no vosso conhecimento do outro...não desistam, o nosso cérebro não é difícil de excitar!



quinta-feira, 19 de julho de 2012

Silêncios...

Silêncios, vozes não ouvidas, palavras não ditas, ou por raiva sentida, ou por desejo de tranquilidade.
Silêncios...momentos de conquista, de espaço, de intensidade, de uma não-fuga, ao que no interior de nós nos estrangula, nos impede de ver ou sentir em pleno.
Momentos de reflexão, longamente desejados, ou muito evitados...
Quantos de nós, no bulício da Vida, fugimos a estes momentos que podem ser organizadores, mas que nos obrigam a um encontro de alma, a uma reflexão sobre os caminhos, sobre onde estamos e o que queremos. Se o silêncio invade, podem vir ao de cima, sentimentos esquecidos, problemas mal resolvidos, vontades esquecidas...mas, se formos corajosos, e nos permitirmos de vez em quando silêncios, com o tempo saboreamos estes momentos como uma dádiva, que nos permite no caos, entender.
Quando o outro fala, silêncio, por dentro. Vou ouvi-lo, tentar entende-lo, sentir consigo, perguntar para aprender.
Quando eu falo, silêncio, digo só o necessário, não me perco em ruídos distractores da mensagem que quero passar.
Quando estou só, silêncio, para sentir, para pensar, para decidir ou apenas para descansar. Silêncio, e abrando o ritmo, sinto-me melhor, sinto controlo.
Quando estou em companhia, silêncio, e oiço o que não é dito, vejo o que é sublinhado, aprendo mais com os outros, leio o que está nas entrelinhas, percebo os olhares e conquisto um espaço que perdi há muito tempo...conquisto a curiosidade.
Quando estou em companhia, em silêncio, sinto mais o toque, o abraço, o cheiro do outro, olho mais, sinto-me entendida, talvez?
O silêncio não tem de ser solidão...não tem de ser vazio, falta de emoção, antes pelo contrário, se não existir algum cuidado o silêncio pode permitir uma avalanche de sentires, uma invasão de raiva, uma inundação de sentimentos fortes, por isso, às vezes, fugimos dele, pois temos medo do que o outro pode pensar, ou do que nós podemos pensar, e achamos que às vezes é melhor não pensar, como se fosse uma forma de fuga.

Aconselho a que treinem as doses, e que vão tentando pequenos momentos do vosso dia, em que em verdadeiro silêncio, primeiro param todo o ruído interior, depois começam a ouvir os sons do exterior, todos, um a um, respiram profundamente, e descansam...e a seguir, começam lentamente, no silêncio, a deixar que o vosso cérebro, alma e coração, se sintonizem, e falem sozinhos convosco, vos digam em voz surda ou estridente as verdades que ocultam. Vos digam as suas vontades e caminhos, vos digam o que querem e o que não querem, e com tudo isto vocês descubram, quem são, e sintam a Vida que borbulha dentro de vocês, que pode andar adormecida, fugida ou escondida.

Que se faça silêncio, pois vocês vão tentar descobrir o vosso fado!

segunda-feira, 9 de julho de 2012

E viveram felizes para sempre...


Nos afectos de uma relação, entre homem e mulher, é sempre procurada a noção de felicidade e de encontro de alma gémea, muitas vezes sem o entendimento de que as pessoas todas podem ser almas gémeas, desde que o devido esforço seja colocado nessa mesma relação. Existem diferenças essenciais de género, que bem vistas, não seriam razão para que nos afastássemos e não entendêssemos a dita cara-metade, mas sim, bem exploradas a chave crucial para um relacionamento intenso e desafiante, com o potencial de se tornar a concretização do  “...felizes para sempre”.
As mulheres crescem, ainda hoje, num mundo onde a ideia romantizada do casamento com uma entidade perfeita, tal cavaleiro na sua armadura reluzente, montado num cavalo, a caminho da torre do castelo, para nos salvar de todos os males do mundo, incluindo dragões, já era…e provavelmente sempre deveria não ter sido, pois coloca a figura masculina no papel de ser perfeito, que tem o poder de nos salvar de tudo o que não é bom, e mais, tem os poderes de adivinhar o que nos fará felizes…tal feito parece-me quase que impossível, quando nós mesmas padecemos do mal de não o sabermos muitas das vezes.
A relação de casal depende essencialmente da capacidade de comunicar, pedir, aceitar e perdoar…parece simples, e é simples…no entanto cumprir estes princípios básicos pode ser um grande desafio, pois depende muito do que entendemos de cada um. Muitas vezes para nós comunicar, não passa pela etapa do ouvir…na maioria dos casos passa apenas pelo conceito de falar com o outro, muito sobre nós próprios, e nessa troca de informação, termos constantemente um diálogo interno sobre o que vamos dizer a seguir…tornando-nos surdos ao que o outro realmente nos está a tentar dizer. Comunicar com o parceiro passa muito pelo processo de ouvir o outro, querer conhecer as suas visões, desafiar a nossa pessoa para que nos apaixonemos várias vezes pelo mesmo ser, neste processo de descoberta em que o outro se abre a nós e revela o seu íntimo neste processo de troca de informações, que só funciona perante a minha capacidade de me calar e ouvir…
O segredo passa por saber pedir ao outro o que quero, o que me faz feliz (se eu souber)…e pedir pensando que o que recebo é tão ou mais intenso do que se eu não tivesse pedido, não há uma perca, há exclusivamente um ganho, pois de outra maneira, caso eu não pedisse, eu poderia sempre correr o risco de nunca receber, aceitar isto e aprender a pedir, sem vergonha e sem preconceito, faz com que o outro saiba como me agradar…mas, não nos podemos esquecer de que não há a regra de se pedir apenas uma vez…pede-se sempre que necessário, pois o outro não se esquece, na maioria das vezes, de propósito…esquece-se muitas vezes porque nele ou nela não é natural, mas, repetindo, ganha-se a experiência.
Aceitar…o outro por quem é e as situações pelo que são, dizer adeus à noção de que talvez, quem saiba, um dia eu vou conseguir mudar o outro…o outro por respeito a mim pode muitas vezes mudar, sim, sem dúvida, mas apenas nos comportamentos em que com intenção o outro me queira agradar, pois no seu intimo a mudança só ocorre naquilo em  que este não se perde como ser, não amamos ninguém a ponto de deixarmos de ser nós próprios de forma permanente…aceitar é a chave para entender e perdoar, ferramenta fenomenal para que não arrastemos nas nossas costas o peso da infelicidade de momentos que não se reparam se não os deixarmos ir, rio abaixo.
Perdoar intensamente e com disciplina, torna o afecto maior, livre de ressentimentos que agrilhoam qualquer hipótese de futuro. Vivo bem o momento, amo intensamente e entrego-me se sentir que não ressinto nada, se souber que o outro e eu temos uma real hipótese porque não somos iguais, não somo água e azeite, talvez mais azeite e vinagre, um complemento de cada um, um encontro de sabores necessários para que nos amemos perdidamente e dessa forma assumirmos que precisamos deles e eles de nós.

(Este artigo foi publicado na Lux em Março de 2012)

terça-feira, 3 de julho de 2012

Dores de alma de ser mulher...desta ou daquelas gerações...

Texto de uma mulher para as mulheres, embora não possa fazer mal nenhum, se algum homem ler...

Vou começar por deixar tópicos, ou frases soltas que retratam momentos da vida de uma mulher, ou de algumas das suas realidades, sendo que algumas dessas para vocês serão as peças que vos/nos fazem dores de alma...não quero apresentar receitas, quero reflectir, e partilhar...dizem que um fardo partilhado fica mais leve, que então assim seja, partilhemos algumas das nossas dores de alma e assim, encontremos conforto por saber que as partilhamos e para algumas há soluções...mais quero desinfectar algumas das nossas ideologias ou crenças, e para isso farei provocações, que espero que aceitem e que vos ajudem a reflectir e mudar se for caso disso.

No nosso dia-a-dia, muitas vezes sentimos que nos desfazemos, nas entregas que nos exigem nos papéis que nos pedem ou, ao sentir que não chegamos...Esta sensação de não chegar tem muito a ver com a nossa exigência de querer fazer tudo, ou muito. Pior, às vezes queremos fazer tudo e bem, na perfeição, numa exigência interna que realmente nos corrói. Pensem nisso.


Às vezes somos forçadas a papéis que pareciam exclusivamente masculinos, que nos tornam independentes, que nos obrigam a caminhar num caminho que não é nosso em troca de uma igualdade desigual, de uma não entrada para o compadrio, por muito que se trabalhe ou se faça do mesmo modo...que faz isso ao nosso lado feminino, que faz isto, se ao assumirmos papéis tradicionalmente masculinos acumulamos também os tradicionalmente femininos, pois os seres masculinos nem sempre os adoptam, ou nem sempre  os adoptam na totalidade?


Que carregamos nós nas nossas costas, o peso do mundo, do que não foi feito, das nossas imperfeições, de querermos ser melhor, querermos estar à altura das nossas mães, dos modelos de educação que recebemos, em que o ser feminino, não descurava a casa, nem as crianças...então e agora, como carregamos tudo isto, estando fora de casa tanto tempo? Sensações que nos esmagam e nos fazem sentir infelizes, ou sem capacidade para mais. Muitas das vezes esgotadas ao limite, com a sensação ao deitar, de que tanta coisa ficou para fazer, e tanta dor me magoa o corpo todo, a alma...
 
O que nos preocupa? Dinheiro, trabalho, filhos, marido, compras, casa, corpo, dietas?

Que dores de cabeça nos causam estas exigências, que dores e preocupações nos enrolam em redes de problemas aparentemente sem solução...

Que sentimentos vamos vivendo que às vezes nos fazem sentir no fim da linha, perto da desistência, são as dores de crescimento nesta nossa sociedade - nova, exigente, nada tolerante, que nos empurra e exacerba, sentimentos que já existem dentro de nós, deixemos correr, libertemos-nos destas grilhós, choremos, batemos com o pé, mas encontremos os nossos equilíbrios.

Vamos assumir que ao assumir duas funções, três ou quatro, assumimos também aquilo de que se queixa o sexo masculino, que é: a nossa independência, a nossa desfaçatez para mandar,  a forma como não hesitamos em ordenar, e tudo o que organizamos; não deixam estas de ser as características que nos fazem gestoras natas, equilibristas das nossas dores e das dos outros, essa é a nossa função, e essa muitas das vezes é a nossa alegria, e aquilo pelo qual vocês se apaixonam...a nossa diferença, será que os tempos mudaram assim tanto? Ou será que esta independência assusta, pois parece fazer de nós seres que não necessitam de ninguém...

Será que a expectativa da SOCIEDADE, dos HOMENS (em geral), e a NOSSA, não é a de que no fundo, no fundo, nós continuemos a ter de ser as donas-de-casa, pois mesmo que partilhemos tarefas, existem factores que são mais do que geneticamente associados às nossas capacidades, e somos, ou temos de ser, nós a assumir?

Exemplos, lavámos a roupa, estendemos, apanhamos, temos 2 filhos, de quem são as coisas? Quem sabe? O vosso companheiro sabe de quem são as roupas? O vosso companheiro sabe o que cada um de vocês levou vestido hoje de manhã à saída?
Quantos pacotes de esparguete há na despensa, onde estão? Eles sabem? Não se ofendam, mas na sua maioria os homens não sabem estes pormenores. Defeito? Não, diferença, até porque no fundo, no fundo, até nós não sabemos porque sabemos isto, o facto é que sabemos.

Que mais diferenças temos, e que causam as nossas dores de alma, quem jura neste momento, que durante o seu dia de trabalho, não pensa nos filhos? Quantas vezes? Com que grau de saudade? Culpa? Desejo de mudar de vida ou de carreira? Quantas de nós podendo sair mais cedo, não corremos ao seu encontro para ganhar tempo ao tempo, e  estar com eles? Porquê, talvez porque células deles sejam nossas, talvez porque células nossas tenham passado a ser deles...

A sensação de equilíbrio, precário ou bem assegurado oscila, ao longo dos nossos dias, entre a perfeição e o caos, dependendo do grau de estamina ou sanidade, com que nos encontremos, mas sem dúvida nenhuma, este feito desgasta, e leva-nos a sermos às vezes (para não dizer muitas vezes), criaturas irritantes, pois o nível de desgaste faz com que os nossos níveis de paciência não sejam os ideais...

Custos e riscos da profissão, mas de facto, para que estas dores de alma se aliviem, temos de ter controlo nisto, o circo não pode estar sempre a actuar.

E para mais, dado o grau de exigência que colocamos, é que não pode ser qualquer coisa, o desafio tem de ser sempre aumentado, até níveis superiores, para que a medalha seja a de ouro, pois não me quero contentar com menos...somos capazes de fazer parte disto e queremos ser ainda "boazonas" para os nossos maridos, para que eles não olhem para mais ninguém, queremos que a barriga das gravidezes continue tonificada, tal e qual como quando tínhamos 18 anos, queremos estar a fazer sardinhas mas a cheirar a perfume e com o ar de quem tem tudo controlado, com a boca a dizer "deixa estar, não preciso de nada, senta-te, descansa!", e o coração a latejar porque é que eu faço isto a mim mesma, porque não grito eu, porque não assumo que não sou capaz...bem, o pior é que na maior parte das vezes somos capazes, a resiliência faz com que sejamos capazes de ir acrescentando coisas ao prato e sentirmos que vamos conseguir.

O tempo passou, nós mulheres estamos mais "educadas", temos mais formação, aprendemos a ser boas no que fazemos, em áreas que antigamente nem eram "nossas", às vezes até as fazemos bem (para não dizer melhor e querer soar demasiado feminista ou egocentrista), mas embora isso possa assustar possíveis parceiros, no trabalho, não serve de grande coisa, conheço mulheres a trabalharem na mesma firma, com o mesmo cargo, e que recebem menos do que os colegas masculinos, serão estes incentivos a tentarmos continuar a fazer o balanço entre ser mulher/mãe e mulher de carreira?


Será que este é mais um peso na nossa alma, a tentativa de ser igual, de ter os mesmos direitos, de ser às vezes melhor, porque igual não chega...será que queremos mesmo isto?


Será que queremos a toda hora competir, em vez de dividir?
E se na rua somos lutadoras e lutamos (aparentemente) contra este poder masculino instalado, será que diferenciamos quem vive connosco destas lutas de exterior?


Eu defendo, definitivamente não a igualdade, mas sim o direito à diferença, eu defendo o direito às mesmas oportunidades, salários, condições, mas com as diferenças salvaguardadas...senão, quem tem filhos? Como desejar ser igual, a um ser tão distinto de nós? Na luta pela aceitação das nossas qualidades, das nossas habilidades, perdemos-nos em lutas feministas, que nos prejudicam, se não nos defendem na diferença...que fazem esta nossa caminhada, de saltos altos, de pernas bem torneadas, numa maratona de corrida, de handicap de grau máximo...pois é difícil jogar de saltos altos...

Libertemos-nos desta imagem, por nós imposta a nós mesmas de super-mulher, a dar o máximo, no máximo de coisas, e na máxima qualidade, assim não somos felizes, não fazemos felizes e acima de tudo...acabamos connosco, numa dor de alma tão intensa, que nos afoga a esperança e apaga muitos dos momentos de felicidade, que na sua raridade a Vida nos presenteia.

Sejamos quem somos, mas felizes, façamos o nosso melhor, pois provavelmente chega, e libertemos-nos destas culpas desmesuradas de não alcançarmos a perfeição, deixemos as nossas costas livres de pesos desnecessários e fantasmas de gerações passadas.

Libertem-se, saltem, vivam apaixonadamente e intensamente, mas numa entrega razoável de quem são, a quem amam, respeitando os espaços e as distâncias necessárias para uma sobrevivência sã...nestes tempos de hoje, que não passam, correm à nossa frente, deixando pouca margem de manobra...não hesitem entre limpar a casa, ou ir brincar com o marido ou os filhos, sejam FELIZES...