Conversas de sofá...
Apostar nas relações tem disto...sejam elas as mais simples da vossa Vida, sejam elas as mais complexas e intensas.
E pior, independentemente da profundidade da relação, desiludirmo-nos, custa, dói...e faz-nos retrair, ter medo de tentar de novo, de dar, de não receber, de cair na conversa de novo...faz-nos desconfiados...
Tudo sentimentos dos quais não gostamos, mas que nos afundam num possível afastamento dos outros, ou numa solidão fingida, induzida por ausência de investimentos.
Hoje vamos pensar em exemplos, vamos reflectir sobre estas desilusões, e como nos protegermos delas, mas acima de tudo aprendermos a viver nelas, sem nos deixarmos de dar, de conviver, de acreditar...
Muitas vezes oiço as pessoas falarem das suas desilusões com o outro, aquele sobre qual nós depositamos algum tipo de expectativa, de desejo de retribuição ou de acção, e no processo, algo falha, e a entrega não acontece.
Podemos estar a falar, de um filho, de um amigo, de um pai ou mãe, de um amante, de um colega de trabalho...estamos sempre a falar daquele(a) a quem nós no processo da relação, atribuímos um determinado valor, papel na nossa Vida, e como tal, em determinadas circunstâncias (ex.: aniversário, acabar um trabalho/tarefa, telefonar, demonstrar afecto, organizar um jantar surpresa, adivinhar sentires, etc....), criamos as ditas expectativas, que nos permitem, fantasiar ou pensar no que o outro poderá, ou vai fazer.
Na realidade, pode existir um desencontro destes nossos desejos, fantasias, vontades, expectativas, e o que a realidade (os outros), na realidade são capazes de nos dar. E é nesse desencontro que residem as desilusões...a tristeza, do que na realidade nunca foi, nunca chegou a existir, mas porque foi esperado, ou sonhado, é como se existisse uma perda, às vezes quase luto. Muitas vezes, tão, ou mais intensa do que se as situações fossem reais e não fantasiadas.
Este processo é muito difícil de ser alterado, ou evitado, pois faz parte dos seres humanos, sonharem, criarem expectativas sobre o que vai acontecer, sempre num processo de tentar adivinhar o que vem a seguir...a procura da perfeição, do encontro entre desejos, a realização através do outro, a paga da Vida...o que pode ser alterado não é o processo em si, mas sim, as interpretações do que vem a seguir. Fantasiar, desejar, querer, mas, ser capaz de perante o que a Vida e os outros nos dão, aceitar, receber, e viver as coisas na sua totalidade, mas não permitindo que esta se contamine por aquilo que não foi, ou não chegou a ser...
Nota: este exemplo não tenciona ser sexista na escolha de género dos personagens, mas sim e apenas, dar uma ilustração possível ;0)
Por exemplo, uma mulher, espera que no dia em que celebra o seu aniversário de casamento o seu marido a leve a jantar ao sítio onde a conheceu, num postal lhe escreva a letra da canção que dançaram juntos, pela primeira vez...que lhe dê uma prenda que simbolize o seu afecto, etc., etc. (as mulheres são muito profícuas a imaginarem 300,000 opções diferentes de demonstrações de afecto, que passam não apenas pela presença do outro, mas também por objectos símbolos desse afecto)...leva não o dia, mas a semana toda, o mês...a imaginar, interpreta os silêncios do companheiro como sinal de que surpresa se aproxima, que ele está a criar suspense, não lhe pede nada, ou dá sinais, pois valoriza a surpresa, e vai dando asas a sua imaginação...o dia chega e...
O companheiro, lembra-se no próprio dia que é o aniversário, que já não tem tempo de fazer grande coisa, mas como a companheira não falou no assunto, ele calcula que ela também não se lembrou, ou porque não lhe disse nada, não planeou nada...por isso, tenta improvisar, pois o que é importante é que consigam passar um pouco de tempo juntos. Pede à sogra para ficar com os miúdos, compra uma rosa por cada filho, encomenda um frango assado, prepara uma garrafa de um vinho, e pensa que vão fazer um jantar de "desenrasque" na sala, pratos de plástico para que ninguém tenha de arrumar nada a seguir, e juntos, na conversa, vão celebrar e vão acabar a noite a fazer amor...
Encontro dos companheiros...conforme se desenrola o momento, ela cada vez mais tensa, desiludida, na espera do que ele oculta e ainda não deu, ou disse...ele a não perceber a tensão não falada...quando a noite acaba, ela encontra-se muitas das vezes incapaz de interpretar todos os momentos como um desejo intenso e profundo por parte dele em estar com ela, sem ostentação através de organizações ou objectos de partilha, e acaba a interpretar a noite como uma desilusão, um desconectar, um desencontro, tudo porque as suas expectativas, sonhos, desejos, não "bateram" certo com a realidade e a levam a uma desilusão, a um desencontro de expectativas, resultado, está triste, sente-se só, não compreendida, e desinveste, podendo zangar-se até...ele fica pendurado no que não entendeu, desiludido de não se ver entendido nos seus gestos e objectivos.
_______________________
A nossa realidade, faz com que as possibilidades de felicidade fiquem dependentes da nossa interpretação do que nos rodeia, e da nossa capacidade de aceitar o que recebemos por aquilo que é, por tudo o que entrega e pelo valor que lhe pode ser atribuído, porque este não se contrasta com o valor do que nunca foi ou aconteceu.
O percurso não se evita, mas a leitura pode ser guiada, como se estivéssemos a pontuar um texto escrito, mas que ainda não tinha sido pontuado, e a cada vírgula, que colocamos, permitimos a nós mesmos a oportunidade de orientar a leitura do texto para a melhor interpretação possível, porque isso nos permite usufruir do momento, tirar o seu melhor para o nosso interior, e recolher um saldo positivo no fim...um saldo de afectos, que nos preenchem, completam.
Claro que podem dizer que são estas leituras que também nos levam a desilusões com pessoas, a um vazio que se arrasta, pois nunca vemos as nossas expectativas cumpridas, a uma ilusão na procura de ver as pessoas como melhores do que na realidade são...sim e não, é fazê-lo com prudência, investe-se em quem queremos e de quem queremos o seu melhor. Acreditamos no outro, porque o outro nos dá, embora às vezes não o que queremos, e se queremos as nossas expectativas cumpridas, aprendemos a PEDIR...pois assim, damos ao outro a oportunidade de saber o que queremos e a poder dar-nos o que conseguir dar e mais, damos a nós mesmos a oportunidade de viver mais felizes, porque em vez de vivermos os filmes da fantasia, vivemos as realidades que o outro nos consegue dar e faz partilhar. Pensemos...
OMG, é por isso que nunca fui muito fã da realidade, por causa das desilusões e com medo de senti-las...mas inevitáveis.
ResponderEliminarAi, as realidades e as desilusões e "como nos protegermos delas ", como fazer?, " mas acima de tudo aprendermos a viver nelas, sem nos deixarmos de dar, de conviver, de acreditar..." que para mim é um grande desafio... :o