quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Perda e luto, a dor que não tem sossego...

Não há dor mais aguda, mais dilacerante, mais solitária do que a dor da perda, da saudade que ganha o peso eterno, da saudade do que não foi, da ausência que passa a dilacerar, que enjoa, desnorteia e deixa alguma cegueira de amanhãs.

Não há dor mais só, mais negra, mais vazia, sem preparo, sem aviso, sem rede...

É desconcertante lidar com o não estar lá, com o não poder dizer nada, com o mutismo que nos sobra entre mãos, pois não há a quem dizer. E nesses momentos surgem todas as coisas que não se disseram, as que se disseram mal e as que eternamente saberemos de cor, porque se disseram e fizeram bem.

O luto é uma saudade desarrumada, uma ferida que demora a cicatrizar e que abomina a
palavra que a cura. 

Não há nada pior do que saber que a única coisa que alivia este processo é o TEMPO, pois é na perda que se percebe a dimensão do tempo que não chega, o que não passa e a falta de fé e esperança no conceito global que o tempo deve ter.

Na perda eu não quero sentir o tempo. Eu não quero viver o tempo. Porque a saudade tem cheiro, tem nome, tem histórias e sentires.

Somos animais de fé e esperança, somos entidades que lutam diariamente com a sua noção de fim, mas acima de tudo que lutam por se afastarem do medo de perder de quem se gosta. Tememos a finitude do que é alheio a nós e para suportar essa
dor antecipada vivemos como se donos do tempo fossemos, fugindo à crença de que o tempo por cá é finito. E este jogo de "pseudo" ignorância assegura-nos o alívio de não sentir um medo diário de perder.

Mas a vida de vez em quando, dentro do que é perfeitamente normal, ceifa e leva-nos das mãos, do olhar, da proximidade, os que amamos, aqueles de quem não suportamos distância e ausência.

Nesse ceifar, encontramos-nos destruídos de dentro a tentar dar sentido ao que
aconteceu, na revolta de aparentemente ter de continuar, morrendo de desgosto egoísta pela ausência, morrendo de medo de partir ou de perder quem está à volta. 

Na morte, no luto, na saudade, no desespero, olhamos à vida e queríamos ou precisávamos de pôr todos os que amamos a seguro e acreditar por alguns momentos, para que tudo isto não fosse insuportável, de que não vai haver mais perdas.

Nestes momentos fazemos as rotinas para sobreviver mas percebemos que ou estamos anestesiados ou, as rotinas relembram o outro e a dor do não estar lá. No luto, na perda, as palavras ferem, pois ao espreitar da esquina as palavras têm lembranças e estão gastas demais para aliviar.

Na dor circular destes afectos mais negros, ficamos descalços, vazios de bolsos, nada lá temos que nos agarre ou empurre. Há segundos eternos e semanas ausentes...não há tempo e afinal dizem que ele cura. Nestes momentos não queremos ensaios sobre o tempo e toda a sua ajuda, nestes momentos não queremos luz ou paz, queremos um veículo para a revolta, um abraço que aperta e não dá espaço para dúvidas. Não queremos sons, precisamos de gestos. Precisamos de quem tome controle e nos arraste nessa passagem anestesiada.

Nessas dores fundas de alma, precisamos de aprender a respirar e precisamos de ter alguém ao nosso lado que nos lembre de respirar. Precisamos de ter quem passe o tempo connosco a adivinhar o que é preciso. Precisamos de saber que temos quem respire connosco, quem esteja, quem olhe por nós. 

Só isso, sem palavras, em silêncios cuidadosos que se fazem chegar através do colo velado o amor que cura e ajuda a passar esse tal tempo. Precisamos de sentir as asas quentes, enormes e suaves que os que nos amam estendem em nosso redor, para saber sentir que estamos vivos e saber que alguma coisa algures num tempo que ainda não chegou, nos vai fazer sair daqui, deste lugar negro onde ficamos e que não prevemos.

E num dia, que não se mede, que não se vê chegar ou que não se espera, o tempo, a família, os amigos, o amor, os afectos, os silêncios, os abraços, as asas e as lembranças, fizeram o seu trabalho, agiram sobre a dor, e um dia é mais fácil. 

E um dia vai sendo mais fácil, voltamos a respirar sozinhos. E voltamos a acreditar que se sobrevive a dores assim, podendo saborear uma saudade boa, podendo recordar sem chorar, podendo ter presente, numa ausência eterna.


Com um xi-coração para uma amiga que perdeu...