domingo, 29 de abril de 2012

Amar até doer...

Porque é que eu sinto dor quando amo, questionam-me alguns dos meus visitantes de sofá...porque é que quanto mais eu amo, às vezes menos tenho de volta, parecendo-me que me perco neste processo?
Porque sofro eu por sentir o mais belo dos sentires?
Porque continuo eu a sentir tudo isto, se me faz sofrer?
Porque não desisto, ou porque quero eu desisistir?
Amar...podemos amar até doer? 

Em textos anteriores falei um pouco de amor, de emoções, mas, na perspectiva de uma partilha, de uma relação...este texto vai reflectir um pouco mais sobre as vivências individuais, que podem trazer factores impeditivos de uma relação saudável, com o outro, e uma situação de sofrimento intenso para o próprio.


Amar pressupõe um sentir especial pelo outro, e pressupõe também uma entrega interior ao outro, um sentir que nos leva a essa entrega, na expectativa de um acolhimento, e de uma retribuição. Ou seja, eu sinto pelo outro, porque dentro de mim ganho algo com isso, cresço em mim, renasço, entrego a mim mesmo o valor que é possível atribuir àqueles que merecem ser amados, por isso amo e espero.


Amar é belo, porque rejuvenesce, porque me dá um frenesim interior, que me permite pensar que tudo é possível, me dá a confiança de saltar precipícios, de voar alto, de escrever poesia, de não comer, de ter energias inesgotáveis para a procura e entrega...tudo isto, porque amo, e nessa loucura da entrega, acima de tudo, consigo amar-me a mim mesmo.

E se não consigo? E se no meio desta aventura, eu consigo fazer e viver tudo isto na parte da entrega ao outro, mas não consigo, viver dentro de mim, o sentir que me vai preencher, que me alimenta, que me dá a confiança de me sentir cheio, repleto, preenchido. O que me acontece se na minha entrega, em que me coloco nas mãos e no sentir do outro, o que vem é pouco, inexistente, sufocador, excessivo, falso, manipulador, etc...?

O que acontece a esta confiança cega em que me entrego, se os meus objectivos forem de uma intensidade, que nada do que o outro faça, me chega? Como posso viver, e encontrar uma felicidade partilhada se no meu companheiro eu não encontro uma troca imediata de mesmo valor. Como sou eu pessoa no meu amor próprio, na paixão que deveria sentir e ter, ou dedicar a mim mesmo, para não me apagar ou perder a noção do meu eu, de onde acabo e começa o outro. Uma relação amorosa não pode ser fusional, seja esta entre mãe e filho, seja esta entre companheiros adultos, não pode ser a única fonte de validação de quem sou, nem a única fonte de alimento emocional para o meu ser, para que eu possa então sentir valor próprio.

Que vazios emocionais carrego eu para estas entregas, e que procuro eu preencher nesta entrega, ou relação? Estas questões têm de ser entendidas, respondidas e resolvidas, para que eu me sinta saudável e para que numa relação, com todos os seus degraus de descida e subida, eu retire equilíbrios momentâneos, e dê equilíbrios aos que me rodeiam.

Como fazem companheiros que se encontram confrontados com opostos, que nas suas trocas emocionais, se debatem contra um alguém tão diferente que necessita de constantemente "ligar" um tradutor para perceber que os gestos, ou os comportamentos do outro, podem ser entregas de amor, podem ser actos de fé e de paixão?

Mais, como fazem se tiverem de assumir que do outro só terão essas manifestações ocultas ou em linguagens quase secretas que obrigam a decifrar e rebuscar, será que o meu "eu" consegue aceitar essa diferença e sobreviver feliz através dessas manifestações de afecto, ou será que com o tempo, o meu "eu" para conseguir ser exige mais, e ai sim, a dor de amar, se torna insuportável e na defesa do meu eu, eu acciono defesas que me afastam, me protegem de não perder mais, de não me esvaziar mais...

Amar é necessário, é indispensável, inevitável e saudável, amar é necessário para uma completa sensação de ser e estar. O meu "eu", não é, não existe se eu não me sentir amado, mas o que o outro me dá tem de ser um equilíbrio, não posso pedir demais nem dar demais, temos que em diálogos de consenso, negociações de prioridades, encontrar com os nossos companheiros o equilíbrio, o ponto de encontro em que ambos somos felizes, temos o que precisamos para ser felizes e não nos sentimos injustiçados neste processo, não sentimos que damos mais do que podemos ou queremos...Para que tudo isto aconteça, temos de nos questionar profundamente, perceber o que nos faz sentir amados, o que nos faz sentir completos, e pedir...dar espaço e tempo ao outro para saber, para se questionar profundamente também, e num momento de diálogo pedir o que se torna crucial, e dar o que se é capaz. Neste questionamento temos de perceber de onde vêm algumas das sensações que podemos ter, de não nos sentirmos amados ou de não sermos merecedores de mais. Temos de perceber se somos seguros demais, e gostamos tanto de nós, que não nos entregamos ou não precisamos do outro.

As variáveis destas viagens aos nossos interiores são imensas, pois dependem da nossa infância, dos nossos primeiros amores, da nossa adolescência, da imagem que temos de nós, do que achamos normal ir "buscar" às relações com os outros, do que nos permitimos dar ao outro, etc., por isso, cada caso é um caso, mas uma mensagem pode ficar, termos de nos conhecer a nós próprios, saber de onde vêm as nossas necessidades, quais são elas, o que somos capazes de pedir e o que necessitamos como um mínimo, e com isto em mente definir que o que vamos dar tem de equilibrar tudo isto, de forma a que não nos entreguemos demais, esgotando o nosso próprio amor, sentindo que nos secámos e deixámos de existir, mas também, não podemos estar no extremo oposto, em que não entregámos afecto com medo da perda, com medo da não retribuição.

Dou, peço, recebo, retribuo, armazeno, peço e dou...equilíbrios constantes, assegurados por diálogos abertos, frequentes, sem mágoas e com facilidade em treinar a capacidade de perdoar.

Amar, só pode mesmo ser até doer, quando assim não é, acaba...ou melhor, não chega a ser amor.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Sentimentos...


Que máquinas estranhas nós somos...conseguimos muitas vezes oscilar de um sentimento profundo de nostalgia, para um de profunda alegria. Conseguimos, conter lágrimas, ou forçar risadas, conseguimos dizer o que não sentimos e esconder, bem escondido, o que verdadeiramente nos vai na alma, conseguimos dar o que não temos, e temos grande dificuldade em pedir o que queremos.

Passamos os dias a viver emoções, sentimentos, uns que duram tempos infinitos que nos custam a passar, como a angústia de saber de alguém querido, se está bem, se fica bem....ou momentos tão fugazes, que segundos depois, quase que não nos lembramos se os sentimos ou imaginámos.

Somos donos de um sensibilidade ou hipersensibilidade, ao mesmo tempo, que conseguimos ter armaduras tão resistentes, que ninguém nos afeta, jogamos sempre jogos de duas frentes, nuns vencemos, noutros perdemos, mas, na essência somos sentimentos, que flutuam connosco, durante os nossos dias, a dar-nos algo de volta desta Vida que vivemos, na tentativa sempre de nos encontrarmos, de encontrar alguém com quem partilhar e dar sentido a esta aventura, para chegar a alguns objetivos traçados, que nos farão, supostamente, fazer sentir bem, melhor, mais felizes e com mais emoções.

Fugimos de nos confrontar, a nós mesmos com as razões das nossas infelicidades, e perdermos um pouco de tempo a pensar o que podemos fazer para resolver parte das situações, dentro de nós reside esse poder, o poder de começar por nós, e sem medos olhar para dentro, mudando o sentir, deixando que novas emoções e sentimentos assumam controlo e nos deixem reparar o que não está bem...mas isso é difícil, isso requer que eu me permita a espreitar, eu permita o silêncio para que essas vozes ocultas dentro de mim comigo falem, e me digam, o que querem, o que lhes faz sentido...sentidos estes que muitas vezes estarão ligados à emoção e não à razão, mas será que estes não estão mais certos?
 
A minha experiência diz-me que se conseguirmos olhar bem dentro de nós, para as nossas dúvidas, e nos permitirmos, fazê-lo em silêncio, as verdadeiras razões e emoções emergem, permitindo-nos o segredo para termos as forças para a mudança...mas, nós muitas vezes refugiamo-nos por detrás das desculpas de que não há tempo, não há sossego ou capacidade para o exercício, e como o coelhinho do País da Alice, o tempo foge-nos à frente, numa velocidade que nos descontrola e nos ilude, deixando-nos impotentes, pensando que perdemos o controlo não só da nossa Vida, mas também das nossas emoções.

Mentira! Há sempre tempo, esforçado e suado, arrancado a ferros às mãos de quem o segura, mas há sempre tempo. Arranjem a coragem, sentem-se à beira-mar, ou rio, ou numa esplanada, respirem fundo, e foquem-se em vocês por um pouquinho, em silêncio, numa viagem ao vosso amago...15 minutos...e descubram, que sentimentos lá estão, que vontades por realizar, que desejos...e depois sigam caminho, cabeça erguida a respirar fundo e a sonhar com o que vão fazer para "agarrar" uma dessas descobertas e fazer algo com ela...agarrem a Vida! Os sentimentos têm de ser vividos, bons e maus, em pleno, pois estes são a vossa energia em forma pura, que vos permitem ir à procura de mais, para vocês, para os outros, para se entregarem e para exigirem entrega.

Sintam!! E venham-me contar como foi...

terça-feira, 17 de abril de 2012

Paixão e esperança...vão desaparecer ou não?


Paixão, esperança...sentimentos de uma força imensa, de uma natureza especial, e que para mim significam VIDA. Mas....
Nestes últimos dias tenho sido confrontada com assuntos que me levaram a um estado de reflexão, e de angústia, um estado em que sinto as lágrimas prontas a cair e a rolarem, por uma força maior, pelo universo, pela união que somos todos nós, os humanos. Sinto isto, pois sinto que estes conceitos, estas vivências, estão em risco de extinção se nada fizermos para os promovermos...estes assuntos que me confrontam têm sido independentes de idades, de género, de estatuto sócio-económico...têm sido essencialmente reactivos a uma vida própria que lhes faz perder a essência destes conceitos, e a uma Vida colectiva que não facilita ou quase que não existe. 


A minha reflexão de hoje torna-se necessária, não só por nós adultos, em relação ou não, mas também por nós adultos pais, educadores, que temos o papel de incendiar os corações dos nossos filhos e ensiná-los a amar a sua Vida e a viverem em paixão, e intensamente os seus momentos.

No meio de uma conversa com uma amiga, ela dizia-me "quando falamos com os nossos filhos, muitas vezes falamos do nosso tempo...mas caramba, o nosso tempo é agora, porque é que falamos de um tempo que já foi, e um tempo em que tínhamos juventude?"...e esta questão/comentário dela, associado a esta sensação de amargura pela Vida dos outros, começou a pesar-me, e é verdade...estes conceitos estão todos ligados, e neste momento particular da nossa vida (FMI, crise, políticos de origem ou validade duvidosa, carência de emprego, miséria, empregos precários, filhos desorientados, futuros questionados, fome, entre tantos outros que nos preenchem a alma e o coração), se não reflectirmos um pouco sobre a nossa Vida, a paixão e entusiasmo que temos de ter, baseados numa esperança vinda de dentro, levamos-nos a um sentimento generalizado de impotência e tristeza, e connosco, arrastamos os que nos rodeiam, que embora quase que os amemos demais, egoisticamente, neste momento parecem não nos sobrarem forças para lhes mostrar, o que nós até podemos neste momento não ver.


O que é esta paixão? Não é só a paixão de amor pelos nossos companheiros, carregada de energia, que nos tira o ar dos pulmões, quando pensamos neles ou nos envisionámos num encontro de amor, não é a paixão que sentimos pelos nossos filhos, que ao saírem de dentro de nós, pela sua entrega em total dependência e amor cego, no apaixonam todos os dias, nas suas graças e desgraças, pois estamos sempre com eles, não é paixão por uma comida ou um cheiro, que nos faz lembrar coisas ou pessoas, não é paixão por uma paisagem, tão linda e profunda que nos causa prazer.

É Paixão por nós, por quem somos, por aquilo que representamos, em nós e dentro de nós, por aquilo que valemos e defendemos, é paixão por saber que podemos sempre ser melhores, podemos sempre surpreender o outro e nós próprios, acreditando que esta força que nos dá energia e brota dentro de nós, nos apaixona com força suficiente para acreditar que tudo isto, este turbilhão de cores e forças, se revolta no nosso interior, e encontra expressão no gesto que fazemos ao afagar o cabelo de uma criança, ao darmos um beijo na face do nosso pai e um abraço à nossa mãe. 

É uma paixão por quem somos neste momento das nossas vidas, com tudo o que é de bom e de mau, mas sem os quais eu não seria eu, e por isso, os outros também não poderiam ser os outros. É amar em mim o que existe, e numa entrega quase louca encontrar um propósito, que me dá um caminho e me indica o que quero ser, onde quero chegar, e tudo aquilo que represento e em que acredito, recusando-me a ser menos do que isso, só porque...(completem as causas, ultimamente tenho ouvido muito...este é o País que nós temos....).

É gostar de mim, aceitar-me, não querendo com isso estagnar, e reviver os ditos momentos de juventude já idos, em que fui isto ou aquilo, mais feliz do que agora (acho eu), e que me arrasta constantemente para um passado, não me permitindo viver o presente e assumir que a idade que tenho agora me permite aceitar em mim, coisas que levei uma vida a combater, que me permite batalhar agora por aquelas que faz sentido mudar, mudar por mim, mudar por amor, mudar porque sim, não mudar é que não. É encontrar um caminho, mesmo onde eu não o tenho desenhado, pois tenho paixão...paixão de dentro, paixão de viver, esta vida, pois é a que tenho. Deixemos-nos de não sentir, de fugir, de nos rodearmos de afazeres como formigas obreiras, que não param, e que se focam em construir algo, grande, talvez até com ostentação, mas que bem analisado, não nos faz falta, se bem calhar, nenhuma.

O que me faz sentir viva, não é comprar mais uma televisão, ou um par de sapatos - embora isso possa ajudar! ;0) , o que me faz sentir apaixonada, não é a conquista de mais alguma coisa material, numérica, contável, mas estamos todos a deixar que nos arrastem por caminhos como esses em que a comunidade, o valor de nos juntarmos por causas, e nos entregarmos de corpo e alma (apaixonadamente) a algo, vá perdendo o sentido, e passam a ser histórias que já nem do imaginário fazem parte, passam a ser histórias de outro tempo. E com isto as paixões morrem, afogam-se em lágrimas de desânimo, momentos de incerteza, e uma mudez que não nos permite dar voz, aquilo que brota dentro de nós e nos diz para fazermos diferente, para sermos diferentes. A chama apaga-se, e vamos dando lugar a um sentimento que nos prega, não a uma cruz de vida, mas um sofá em que nos encantamos com mundo fictícios, a um trabalho desmesurado que nos impede de gozar a família, aos bens materiais que temos de sustentar, e com mais uma ou menos uma lágrima, vamos culpando outras entidades, por esta morte lenta do sentir vivo.

Deixamos voar a nossa vida das nossas mãos, sem controlo, entregando e confiando, não sei muito bem em quê ou quem, e se por momentos temos rasgos de lucidez, acordamos e agarramos quem amamos para um beijo, um afago, mas ultimamente vejo poucas pessoas a agarrarem a Vida, e a não a deixarem ir.

E nestas discussões de eu achar que se está a perder a paixão de dentro e para fora, também se perde a esperança, o acreditar, em nós, nos outros, na Vida, no Mundo, e em tudo o que o ser humano é capaz de fazer se assim sonhar. Nós todos temos de acreditar, acreditar em nós, na mudança, nos outros e na paixão que é a energia que move este acreditar e esta mudança, dai a minha teoria de que estes sentimentos se extinguem, e com eles seguem-se anos de depressão, não financeira, mas de valores, de amor, de vida própria...de nascimentos.

Nascer, mas não apenas o nascer de outro humano, é o nascer do potencial, do sonho, do desejo, do querer, daquilo que uma vez mais nos caracteriza. A criatividade de dar a volta por cima, o desejo de resiliência, que nos impulsiona a levantar mesmo depois de cair...desejo esse que para ocorrer, eu tenho de me sentir vivo, dono de mim, e com forças para acreditar que ainda sou capaz.

Desejos para que do nada surja algo, um novo eu, que se encontra com outros e neles também renasce. Um eu, que quer ser diferente e arrastar atrás de si, uma multidão, uma comunidade, que quer fazer este mundo melhor para os nossos filhos, começando por lhes dar esperança, por lhes entregar as ferramentas que os deixem sonhar, por sonhar junto deles baixinho, na terra da fantasia, onde todos somos iguais.

Olhar à nossa volta e sentir que há algo belo, e que viver essa beleza, intensamente, no dia-a-dia, com os que me rodeiam, me responsabiliza, me obriga a respirar essa energia, positiva, que me permite analisar e dizer neste momento posso estar feliz.

Amanhã posso repetir, e acreditar que se eu não me deixar acomodar, não resolvo todas as dificuldades e não acabo com os problemas no mundo, mas minimizo, e muito, os meus e a forma como os carrego. Abrir os braços e respirar fundo, dando a mim mesmo momentos em que me encontro comigo sem reservas e jogos de escondidas e me prometo, a mim mesmo, me entrego a amores meus, para depois me entregar aos teus amores, com toda a força e energia, e nesse exemplo, sem palavras, dar esperança aos meus filhos, que não me vêem desistir, ou acomodar.

É respeitar a linha da minha Vida que carrego entre as minhas mãos nos meus actos de todos os dias, e respeitar essa oferta, fazendo o melhor uso dela. Claro que esta minha reflexão é suposto reforçar a inspiração para o sonho, e não ganhar aqui um peso negativo, mas eu sei, e não me estou a esquecer que todos nós temos e vivemos problemas, uns mais sérios, outros menos, e eles vão lá estar sempre, de uma forma ou de outra, pois essa é a natureza da "besta", a Vida assim é, e está constantemente a por à prova todos os nossos conceitos e forças.

No entanto, se todos os dias, eu  me esforçar por não me esquecer, por me dedicar, por me querer manter viva, e acima de tudo, aprender o que é que na realidade isso significa para mim, então, quase que de forma religiosa, como alguns cultivam o corpo, a mente, a fé, eu cultivarei esta minha vontade de estar viva, apaixonada, e cheia de esperança. E com  todas as forças que tenha naquele dia, naquele momento, agarrar-me ao que for preciso para acreditar que o amanhã pode sempre ser melhor, que eu posso sempre ser melhor, e que se eu me entregar, se eu der, se eu viver intensamente cada momento, bom e mau, não deixo que a esperança morra, não me deixo morrer de desgosto, sem paixão, e arrasto comigo quem quiser vir, pois assim eu consigo receber. Arrasto comigo os meus filhos e estas novas gerações, que mais perdidas estão, do que nós nos tempos deles...

sábado, 14 de abril de 2012

Pijamas de flanela e algodão, com ursinhos e patinhos...

Nas conversas de sofá, surgem divergências entre os seres masculinos que atendo e os seres femininos...e o mais engraçado, é que estas duas entidades, num assunto tão simples quanto este, não se estão a conseguir entender. E é deste exemplo que eu vou fazer a minha reflexão de hoje, esperando com isso, conseguir agradar a ambos os géneros de leitores.

A ida para a cama é sem dúvida um dos rituais mais importantes para uma pessoa, assim como o é para um casal, e aqui acho que estamos todos em acordo, homens e mulheres.
No entanto, estes rituais divergem, e às vezes podem ser divergências que não se tocam ou sequer cruzam, outras vezes são divergências nos rituais, que podemos chamar comuns, ou de partilha. Vou pedir-vos que pensem nas sensações que têm quando ao final do dia se deitam na cama. Imagino convosco que haja uma sensação de conforto, bem-estar, chegar ao ninho, de descanso, de sentir o cheirinho da roupa de cama lavada, do acolhimento dos lençóis e colchão, tudo isto uma experiência sensorial, de entrega ao descanso, e muito simbólica de recolha ao poiso. Mas, aqui, tive o cuidado de descrever a experiência individual...como é a de casal? Se o casal se der bem, continua sensorial e pode melhorar ou aumentar as sensações de que já falei, pois podemos fazê-lo, abraçando-nos ao outro, sentindo que o outro também nos acolhe, e se pensarmos em intimidade/sexo, podemos sentir que é o espaço onde nos vamos entregar e descobrir nesses sentidos também.

Muito bem, então porque é que eu estou a falar de pijamas de flanela no título?
Ou em rituais que colidem?

Porque nesse momento de rituais comuns, podem surgir braços de ferro, relativos a preferências, pois podemos não querer ceder no nosso conforto pessoal. Muitos dos homens com quem falo apresentam queixas relativamente à escolha de roupagem, escolhida para ir para a cama, pela maior parte das mulheres, principalmente se estiverem a comunicar por códigos secretos a sua vontade do "chega-te para lá, que eu estou a dormir", ou "hoje quero dormir em conforto, quanto muito abraçados", e este código aparentemente manifesta-se na escolha de pijamas de flanela, inegavelmente muito confortáveis, mas muito pouco apelativos à imaginação libidinosa...será esta uma escolha consciente de afastamento?
Será esta apenas uma escolha feminina?

Será esta uma escolha de conforto acima de tudo, pois quero recolher ao ninho e não estou a pensar em sensualidade, ou será este um braço de ferro que eu começo, pois "tu"  pedes-me que me deite nua, ou vestida de determinada maneira, e eu decido, ou porque não quero intimidade, ou porque quero prezar mais o meu conforto, e assim decido que não farei a "tua" escolha...Ou podemos fazer destas escolhas aquilo que quisermos colocar no olhar do outro. Será que a flanela é assim tão pouco atraente, ou é a atitude que se esconde por detrás da escolha que passa a imagem?

Será que eu, querendo, estando em sintonia de vontades com o outro, torno assim tão importante o que visto? Ou podemos transformar o que nos é confortável, em algo de belo ao olhar de quem vê? A flanela, não pode é ser um motivo de luta, de intransigência...em que a escolha se faz, em função do outro ter pedido?

E será esta apenas uma discussão no feminino? Ou será uma discussão que se espalha aos dois géneros? Claro que sim! A flanela pode ser para ambos os lados o "duche de água fria", ou a sinalética adotada para resguardar que na "nossa" cama existe "hoje", ou quando queremos, um fosso de intimidade.

Um homem também pode ter uma aparência trabalhada, na sua escolha de roupagem, na hora do dormir, e também eles podem usar essa escolha, para em forma de batalha, retribuir as punições emocionais de que se possam julgar alvo, pela nossa escolha de traje nocturno.

O que é facto, e que é onde eu quero chegar, é que tudo é válido, neste jogo, desde que ambos encontrem satisfação no encontro.

Tudo pode ser sexy, tudo pode gerar intimidade, tudo pode deixar que ambos levem as suas fantasias à prática, se, o casal não se perder em batalhas de espaço pessoal, em que não se executam cedências, como se essas pudessem vir a simbolizar perda de território ou de identificação.

A noite pode começar nua, meia vestida, ou toda vestida, e depois de um encontro onde ambas as vontades e desejos se encontraram, podemos ceder aos desejos de conforto pessoal, e escolher a roupagem que iremos usar para executar a outra parte do projeto cama...dormir.

E se for muito difícil gerir as vontades de cada um, relativamente a este assunto, quando o objetivo é a intimidade e não o dormir, podem sempre recorrer a  outros locais da casa, que não impliquem a escolha de roupagens, e na cama, cada um escolhe o que quer...claro que este é o exemplo que pode ser usado muitas vezes, ainda que concordem no assunto da cama. Ou seja, podem utilizar outros espaços da casa para incentivar a vossa intimidade, ainda que consigam chegar a um acordo tácito relativamente ao que usam na cama, para estar e dormir, de forma a agradarem aos dois, e ao próprio.

Bons sonhos!

terça-feira, 10 de abril de 2012

Provocações rápidas, numa conversa para homens...mensagens de descodificação.

Não me quero prolongar nesta reflexão, pois vou seguir um conselho/provocação masculina que me foi feita, deixando-me a dica de que nos textos demasiado longos se pode perder a vontade de reflectir. Sou um pouco contra receitas, ou generalizações selvagens, mas acredito que algumas dicas funcionam bem, pois são directas, e têm potencial para tocar maiorias....

Então cá vai, uma nova forma de vos provocar reflexões - desta vez mais para o sexo masculino:

Se queres, pede...
Se queres, dá...
Se gostas, ouve...
Se gostas, conta...
Se amas, diz...
Se queres sexo à noite, faz-te amigo, companheiro, durante o dia, não te insinues, entrega-te...toca, mas não abuses, toca, com carinho, e finge que é a última coisa que tens na tua mente...nós gostamos desses jogos.
Se abraças, não sintas o "traseiro", abraça a cintura...um abraço é um abraço...
Se queres saber, pergunta e ouve a resposta...
Se queres conhecer, ouve...está lá tudo...nós muitas vezes não nos calamos...
Se queres agradar, ouve os pormenores e memoriza alguns...
Se queres derreter, acarinha os filhos...
Se queres entrega, não tenhas medo, dá também...
Se queres surpreender, faz algo que "ela" conta que quer fazer a alguém de quem ela gosta...
Se queres dar, dá de surpresa, pode ter baixo valor, mas que seja a sua cara...pistas...vê as jóias dela, as encharpes, os perfumes, de que lojas fala...
Se queres rendição total, quando ela falar contigo, experimenta falar de volta...não custa assim tanto, e ela não se sente em monólogos de amargura...
Se queres para sempre, dá independência, confia, mas protege e defende...

Falamos daqui a uns tempos depois de experimentarem as dicas...quero reacções!!!
Senão (estou em tom de ameaça), volto aos meus textos mais reflexivos e prolongados, onde quero chegar a ambos os sexos, da mesma maneira e com a mesma mensagem...

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Circos e malabaristas...círculos familiares...equilíbrios e desequilíbrios



Alguém entra...o ruido é intenso, música toca num local algures na casa, não consigo perceber de onde vem, água corre numa casa-de-banho, a mãe mexe em tachos, o pai chama pelo cão, duas crianças passam a correr e a rir, ouve-se alguém a falar baixo, no fundo de uma sala, ouve-se a televisão, e agora vejo que o rádio toca na cozinha em sintonia com os tacho que preparam a comida.  Naquilo que a mim de repente me pareceu uma confusão...como a entrada dos palhaços no circo, carregada de barulho e desorganização, com cada um a fazer mais barulho que o outro, surgiu-me a visão de uma melodia, em que cada instrumento está no seu próprio espaço, tocando parte essencial para a música que eu oiço, e que embora a princípio me tivesse soado a uma cacofonia, agora que presto atenção, oiço melodias, sinto os ritmos, e vejo como tudo decorre numa ordem específica, que não deixa de ter a sua beleza própria.

Não me posso confessar apreciadora de Jazz, mas sei que os princípios básicos são a improvisação, e às vezes os sons produzidos quase que nos podem parecer dissonantes, no entanto, há um ritmo próprio que assegura a ordem na produção da melodia. Nesta casa onde entrei e parei em observação, não ouvi Jazz, pois nada me parecia realmente improvisado, ainda que tudo parecesse acontecer, porque a pessoa, o acontecimento, as palavras, ou outros fenómenos, assim faziam acontecer as sequências de eventos, que a mim me chegavam, como a melodia desta família, neste momento da sua vida.

Momentos destes, nem sempre são melodia, é verdade, às vezes em determinados momentos, podem ser ruídos estridentes, que perfuram o cérebro dos progenitores, fazendo com que possa existir a sensação de que não se aguenta tal ruído, ou que não se vai sobreviver àquele jantar...pois parece que por momentos a loucura se aproxima demais, se avizinha de nós, e nos impede de ver, que no meio desta situação, a melodia não se perdeu, existem é muitos ruídos exteriores que nos impedem de ouvir a parte melódica. Deixamos que a música que vem a tocar dentro de nós, que por vezes nos ensurdece, se confunda com aquela que já estava a tocar em casa...e ai sim, torna-se tudo ensurdecedor, insuportável.

Na família, na vivência da família levamos o tempo todo (nós os educadores), com funções de malabaristas e tentar manter o caos em ordem, os "meninos" entretidos, as bolas todas no ar ao mesmo tempo, e por vezes ainda tentamos o truque de fazer algo mais enquanto as bolas estão no ar, e nós aguardamos a sua descida...e melhor do que toda esta descrição, a parte em que eu nos acho quase que cómicos e partilho da dor dos educadores, pois além de psicóloga também sou mãe, é que tentamos fazer tudo isto, pensando que nos vamos sentir bem, tudo vai correr bem, e no retrato de família, estaremos todos a sorrir, sem nódoas nas roupas e na posição correcta. O grau de exigência e expectativa é tão elevado que perdemos o norte, o horizonte, e passamos a navegar em águas estranhas, a guiarmos-nos por padrões externos a nós, à nossa entidade de família, e trazemos para dentro da nossa tenda de habilidades, a exigência da perfeição de quem não falha, de quem não ri, ou não tem a liberdade de quebrar regras que foram erigidas por uns alguém que não conseguimos nomear. 

Ser família, e viver num círculo familiar, o que não deixa de me lembrar, como comparação quase que directa, os desafios impostos a um circo. Se repararem, na maioria dos circos, os espectáculos são assegurados pela família, e é assim que vivem...a vivência de conjunto, a distribuição de funções, para que todos participem no espectáculo, a deixa de cada um, o fazer rir dos disparates dos palhaços, a dificuldade de equilíbrio ou de malabarismo, o ilusionismo, a flexibilidade para com o outro e para com as suas próprias actuações ou necessidades...mas para que este equilíbrio exista, tem de existir um treino, uma sintonia, tiveram de existir muitos desequilíbrios para que novos equilíbrios fossem encontrados, para que a arte de cada um se revelasse. Mas no circo, no meio de tal exigência, no fim de cada espectáculo há uma celebração, há a vitória de mais um feito conquistado, um publico que aplaudiu, uma plateia que os admirou, e não deixou essa admiração cair em silêncio.

E é aqui que muitas das vezes nós círculos familiares nos perdemos, e não conseguimos ser um circo completo...o que talvez também não seja totalmente mau.

Mas na família, nos nossos desequilíbrios, ou nas nossas melodias, às vezes perdemos-nos, e ficamos focados no que correu mal, no que não está bem, amarramos-nos às expectativas que temos, e voamos com elas, tendo a fasquia que impomos aos nossos artistas nesse nível, e tudo o que fique abaixo disso, não sendo satisfatório é causador de infelicidade, de desequilíbrio, de não compreensão, ou até aceitação. 

É desejar mais, deixando-nos cegos ao agora, aos momentos que passam de forma veloz, quase imperceptível por nós, de pura beleza e alegria, de entrega dos nossos filhos a nós, momentos em que o riso facilmente brotaria das nossas gargantas, se nos permitíssemos viver sem ser agrilhoados a estas definições impostas, ritmos loucos de exigência, que tornam os nossos desejos quase que incompatíveis. Os equilíbrios surgem, se por momentos permitirmos a análise do nosso círculo e espaço familiar, como se de um circo se tratasse, como se conseguíssemos ter momentos para tudo, mas não esquecendo que pelo meio das actuações mais arriscadas, surgem sempre uns palhaços, ou uns mágicos, que nos permitem ir para um outro espaço, imaginar, rir, fantasiar, e sentir a felicidade da magia, de não saber nada naquele momento, de se acreditar com a inocência das crianças.

Mais, acrescento, nas nossas famílias faltam-nos plateias, que nos aplaudam a todos, que nos digam quando algo está bem feito, fazendo-nos sentir que aquele momento que acabou de acontecer foi especial para todos, sem que de repente, só porque existe uma fasquia, que está lá no alto (sabemos lá nós bem porquê?!), me faça questionar o que não esteve bem, o que falhou, o que faltou, em vez de aplaudir de mãos bem abertas os feitos de quem amo. Em vez, de abrir a boca e dizer o que está bem, em plenos pulmões, e ir reflectir como partilhar o que quero ver mudar ou melhorar.

Os círculos familiares precisam cada vez mais, nos dias que correm, de união, de força, de se sentirem parte de uma equipa com papéis bem definidos, mas em que as linhas de respeito não se perderam, estes mini circos, precisam de muito afecto, de muita orientação, mas acima de muita coisa, precisam que não deixemos que dois momentos simplesmente incompatíveis sejam misturados por um defeito que se contagia, e que nos começa a atingir a todos, parecendo que somos os velhos do Restelo, a agoirar quem se atreve a ir à descoberta, contrariando tudo e todos pela vontade de viver e descobrir o além mar. A felicidade não é compatível em simultâneo com a infelicidade, se estamos felizes, estejamos! Se algo não está bem, vamos ver...

Sejamos pais, educadores de desafio, de papéis e valores bem definidos, mas sempre capazes de nos rirmos com os nossos filhos, e acima de tudo de nos rirmos de nós próprios, sempre capazes de mudar no dia-a-dia, por eles e por nós, para que nos reste alguma inocência infantil, que nos faça acreditar que se nos lançarmos nas caravelas nestas aventuras de hoje, de se ser família, e se viver nestes mares conturbados, havemos de encontrar terra, e o percurso contará sempre mais do que o destino.

Façamos um pacto...que as fasquias estejam onde nós as conseguimos por, e que sejam subidas por nós e mais ninguém, no nosso próprio ritmo, e que a cada subida e degrau, uma festa seja feita, a cada dificuldade e imprevisto, reuniões existam em que todos, como uma equipa, dão o seu melhor para resolver o problema, em que todos se entregam à solução e ao que há a ser feito, e juntos definam quem faz o quê?

E se na fotografia, todos vós estiverem como realmente são, não há fotografia mais bonita, pois além das nódoas, do cabelo desarranjado, ou das caretas do mais novo, vamos todos ver, a essência do vosso circo, e os papéis do vosso espectáculo...vamos todos rir do que nos faz rir, e unirmos-nos por isso, vamos construir no positivo, para criar forças para o desafio. Vamos caminhar..."por mares nunca dantes navegados", e levarmos os nossos desejos a bom porto.

Não oiçam ruído, não deixem! Não oiçam Jazz. Oiçam a melodia, as linhas invisíveis que unem os instrumentos e harmonizam a existência daquilo que é um lar, o Vosso lar!

Cheques sem cobertura...


Em todas as famílias há pelo menos sempre um elemento que é uma peça diferente, aquele, que em todos os momentos, está sempre atento ou até mesmo à procura do que o outro gosta, quer, e precisa. São os elementos que parecem constantemente estar atentos a diversas formas de mostrar o amor. Em entregas que às vezes aos olhos dos outros membros da família, não deixam de ser gestos invisíveis. 
Aquele gesto de se estar a conduzir a caminho de um compromisso pessoal qualquer, e o filho ou filha ligam, porque precisam que se vá à escola levar um trabalho que se esqueceram, e nós vamos. Estamos nas compras e decidimos o menu do jantar em favor das preferências de um dos elementos da família. Vemos uma promoção qualquer, que interessa a um dos nossos muitos amores e aproveitamos, deixando de comprar aquela outra coisa que queríamos muito para nós, pois o dinheiro não chega. Chegamos a casa, e perdemos 10 minutos a dar o nosso jeitinho à casa, que faz com que o ninho tenha sempre um ar organizado e limpo. Transformamos as refeições do dia, em mimos em forma de comida, escolhas cozinhadas às vezes com lágrimas e amor. Estes seres que pertencem à família fazem-no, na realidade sem esperar uma troca, uma paga, quer fosse em moeda igual, quer fosse numa nova moeda. Não à espera de retribuição real, porque para estes elementos este fenómeno é natural, e quase que impossível de ser travado, acontece naturalmente, numa reação de amor, às observações do quotidiano.

Mas, em conversa com uma amiga, naqueles desabafos de café, e de encontros com a Vida e os sentires, fiz este comentário, que me fez lembrar conversas que já tinha tido com outras mulheres, e até mesmo com alguns homens. Nós somos seres que no nosso dia-a-dia, emitimos cheques sem cobertura a toda a hora, e quanto mais amamos, às vezes mais em dívida ficamos. 

É certo que estes elementos familiares, donos de um quási altruísmo, não fazem, ou têm, estes gestos, na expectativa de uma retribuição, mas fazem-no por um amor profundo que resulta de se ser mãe ou pai, marido ou mulher, filho ou filha, e nesses papéis, entregam amor por gestos, de um banco só seu. Mas, o que faz reserva nesse banco, são também os gestos que os outros elementos da família ou das relações de amor, fazem através de - um sorriso, um abraço de reconhecimento, um obrigada, um piscar de olho, um olhar mais intenso que reconhece o esforço por detrás de uma casa limpa, um toque ao de leve no pescoço, um dar de mão apertado, um beijo de fugida ou mais prolongado, um olhar de entrega, ou um jantar especial. Se as retribuições não ocorrem, este banco fica sem reservas mais tarde ou mais cedo, e por muito que a pessoa não faça as coisas com a intenção de ter um retorno material, faz de certeza absoluta, pelo retorno emocional, o amor de entrega. 

O problema, é que muitas vezes estas pessoas, estão dadas como garantidas aos seus, e estes por vezes estes, no seu vórtex pessoal, esquecem-se de agradecer, ou de pelo menos reconhecer, e com esta ausência de reinvestimento, no banco, o crash acontece, e o resultado mais grave é que temporariamente este elemento familiar, sente-se como que destroçado, vazio, e a questionar-se porque é que faz o que faz...Pensa em mudar, zanga-se essencialmente consigo mesmo, pois sabe perfeitamente que fez tudo de vontade própria, sem pedidos, e isso, faz com que se sinta ainda mais culpado por sentir esta necessidade desesperada de receber de volta. Faço porque quero, não espero nada, mas em desespero, espero sempre um amor de entrega.  

Sente-se, muitas das vezes despedaçado, pois sente que a sua entrega voluntária não recebe de volta, nem sequer o reconhecimento de ser feita, e isso magoa profundamente, criando um vazio interior, fazendo com que o próprio se questione, se assim deve ser, se assim deve continuar, se faz sentido esta entrega sem dúvidas, mas que depois deixa tantas outras por resolver. 

No fim destas lutas internas, por norma esta pessoa continua a ser como é, ganha energias em si mesma, ou nuns outros com quem também partilha a Vida, e por vezes sem saber, dão de volta, em pequenos gestos, mas tudo isto não impede que uma certa zanga para com o outro, seja este o companheiro ou filho se instale, e depois, demora um certo tempo até que o equilíbrio interno permita que a entrega continue, e que este papel de agrado ao outro e de emissão de cheques sem balanço se perpetue... E isto é possível, porque a pessoa, dentro de si encontra as verdadeiras razões para estas entregas, e para as energias que se geram destes pensamentos, destas emoções se acumulem, e criem condições que a motivam para este percurso. 

Nós só somos capazes de ser esta peça diferente, se tivermos a característica dentro de nós, que nos permite, independentemente do que os outros façam para nos retribuir, ainda que seja nada, continuarmos, a retirarmos prazer do que fazemos e fazermos uma festa de tudo o que fazemos pelos outros. Mas para que esta entrega, que às vezes é desequilibrada, desigual, e muito sofrida, nos faça, equilibrados, felizes e preenchidos por sermos como somos, temos não só de ser um banco para poder então emitir os ditos cheques, mas temos também de ser um banco capaz de fazer investimentos, que no retorno, nos devolvam um juro que nos pague os vazios da entrega.

Temos de descobrir, de forma pessoal, e não dependente dos outros, onde encontrar pequenos investimentos, que ao serem depositados neste nosso banco, nos valorizem de tal modo, que nos permite as energias possíveis e necessárias, para que estas entregas continuem, no entanto cabe-nos a nós também educar, educar no amor...educar a quem nos entregamos destas formas, para que estes percebam que estas entregas por vezes codificadas, têm um simbolismo, carregam, doses infindáveis de afeto e carinho, e são demonstrações dá nossa entrega.

Ensinar o outro a participar de forma natural, entendendo que por momentos, precisamos da entrega deles, da sua própria maneira, nos seus próprios momentos e espaços, mas que precisamos, e que sem ela, nos é muito difícil continuar nesta dádiva vazia. Às vezes precisamos tanto que até temos ciúme de coisas ridículas...há muitos anos atrás, lembro-me de ter ciúme do tempo em que o meu "não marido ainda" , tocava guitarra, pois pareciam ser tempos em que ele não estava comigo, ainda que estivéssemos ali, lado a lado, durante os seus concertos individuais; não percebi o simbolismo, a entrega e a coragem de se revelar em frente a mim, a fã que ele ao fim ao cabo mais receava...travei uma luta, a pedir, que ele parasse para estar comigo, para que se entregasse mais (dizia/pensava eu), com o tempo eu ganhei, ele dedicou-se muito a mim, hoje sou eu que às vezes lhe peço, ou o lembro, para que toque guitarra, para que esse seu amor não morra, mas hoje é raro, e eu arrependo-me, hoje nesse campo sofremos os dois...eu acho que ele sofre, pois perdeu a vontade de o fazer de forma espontânea como fazia, e deixou de ter na guitarra um hobby, um escape, mas vive um certo saudosismo por isso; eu, porque me sinto responsável, porque hoje sei, que na vida há tempo para tudo, e na altura a minha imaturidade me impediu de aceitar os seus símbolos de amor, através de algo que era dele, e especial para ele.

Amar é dar, é receber, é esperar, mas acima de tudo é aprender com o outro, é aprender a viver e conhecer tudo o que o outro nos dá, é aprender a pedir as retribuições, ainda que apenas queiramos "trocados", no entanto, sempre com o cuidado de não estarmos a exigir ao outro, que este se dilua, nos nossos sonhos e expectativas.

Amar é criar um espaço para os dois, um espaço para cada um, e um espaço, onde podem existir os outros, e nenhum pode desaparecer, nenhum pode sofrer, ficando sem lugar para si próprio. E nestes espaços, têm de existir tempos, da mesma maneira, o meu tempo, o teu tempo, o nosso tempo...e se existirem criaturas pequenitas ou granditas, o tempo deles e com eles também.

Quem ganha e adquire esta sapiência, passa cheques, entrega-se, pede, tem tempo para si, ama os outros, dá espaço para que os outros amem de volta...exige se assim tiver de ser, mas não desiste, e pode chegar aqui, àquele momento da Vida, em que a sintonia existe e permite, amar com tranquilidade...

Como diria Florbela Espanca...

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!