terça-feira, 17 de janeiro de 2017

É escuro o sofrimento...

No sofrimento não há companhia, não há cheiros bons, não há nada que toque, porque tudo dói. Há uma entrega total à posse de nós por esse sentir, que amargura, que dilacera, que corta de dentro a carne, num lento respirar de quem acha que já não aguenta.

Há uma solidão entranhada de uma incompreensão pela distância imposta de não conseguirmos existir uns dentro dos outros. A verdade de quem sofre não é medida pelo outro, mas sim pelo próprio, numa comparação com dores prévias e na luta com a presença ou ausência de algo chamado fé.

O sofrimento é negro e não anda de mão dada, rejeita, atormenta, isola e perfura. Enche o pensar de frases feitas, desconectas e acutilantes, que se repetem e remoem em si mesmas, numa loucura mais que insana, sedutora da dor e de um sadismo profundo sobre o nosso próprio penar.

Sofrer é fodido, é tramado, é lixado, é só. Sofrer é incompreender.

É perder tudo, não saber nada...é ir tão fundo que não se sente. É não ver, não sentir, não dar, não receber. É desligar constante, rumos de vento. É cicatriz em vez de eu, é sentir desprovido de interpretação. Não se quer histórias porque se sabe os fins. Não se quer fantasia, porque se perde a meninice. Não se quer afago porque não chega. Não se quer nada, exigindo um punhado de tudo, de uma Vida que se revela estranha e ingrata. É ignorância e relutância. É uma eterna impaciência porque o tempo, oh o tempo, esse deixou de ser amigo e permanece em luta de fuga, num tic-tac enervante.

O sofrimento leva a loucuras e à loucura, à perda do eu, da identidade, da vontade. Leva ao cansaço de não acreditar. Escorre pela pele e transforma. Cria inércia, seda, amortece num cansaço profundo que se transforma em estar, que anestesia e se define como ser. É tão dorido que tira o ar, que dói no corpo, que apaga a chama, que massacra o coração. É tão dorido que é dor contínua, tão profundo que não tem cor.

Todos os dias, nem um falha, vejo pessoas em profundo sofrer, algumas já doentes, outras ainda numa batalha sã. E todos os dias digo a mim mesma, relembro-me, que tenho de aprender a perceber este sentir que nos faz ser sombras de nós mesmos.

Todos os dias me digo que tenho de batalhar por ensinar a respeitar a gravidade de tal sentir. Todos os dias travo batalhas com este inimigo invisível, que ninguém quer assumir e dar espaço a, mas que na realidade é um invasor, parasita, usurpador. Todos os dias trabalho com ele, e tento fazer ver que nesse sítio onde só ele entra, vale a pena combater.

Todos os dias exijo de mim aprender a respeitar a dimensão de tal sentir e num respeito sério, peço permissão para entrar e o colocar em dúvida. Entrar para lhe retirar o poder de dogma ou verdade absoluta e convencer o seu proprietário de que este sentir o tornou incapaz de decidir. Que este sentir o inibiu de se reunir consigo mesmo durante o tempo que lhe foi necessário para que à traição tomasse posse da sua essência e o aniquilasse a esta sombra de ser. 

E neste respeito pelo adversário, tento ofuscar essa realidade com o brilho de um pensar, de um acreditar, de um querer imenso de que a Vida tem de ser mais do que isso, de que o amanhã tem de ter algo bom. De que alguma inocência, nos ajuda a ter resiliência. E que em respeito à dimensão de tal sentir, temos também de ser igualmente naives para poder seguir. 

Mas, temos de respeitar sem fugir, porque é um crescimento pessoal querer de alguma forma sair de lá. E quase sempre, sai-se de lá...só.

Que se estendam mãos, que se deixem palavras e se dêem abraços...mas o caminho, tem de ter um passo próprio, do próprio, na sua identidade e enquanto ser uno em colaboração consigo mesmo. Tem de ser um caminho trilhado acordado, depois de perceber que não pode mais apenas ficar, estar, entregue à posse violenta de tal agonia.

É um processo de resolução individual, de luta acesa, cruel e desmedida, contra o monstro que cresce e devora. Mas, tem de ser. Essa tem de ser a crença. Tem de ser, porque tem de haver mais, tem de estar algures à nossa espera um estar resultante dessa luta, desse entendimento, dessa dura batalha da qual se sai em farrapos mas capaz de seguir, capaz de acreditar.

Tem de ser...temos de ser capazes de saber que dentro de nós reside a prisão e a libertação, as dores e as asas de sonhos. Temos de saber crer, em nós entidade de força maior, resistente à dor, hibernante, dormente, mas lutadora quando crente. Lutadora quando com Norte. Lutadora por melhor sorte. Temos de crer.

E todos os dias, não falha um, vou vendo tais guerreiros enfrentarem a sua sorte, umas vezes rasgados de dentro, outras à espera de uma brisa que os alimente. E todos os dias, descubro a beleza do ser humano, na sua capacidade intensa de amar e de ser e de eternamente conseguir ser um alguém que sem sombras de si, consegue crescer menino sendo Homem de guerra.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

A Amizade são...

A amizade são vestes eternas, que revestem a pele magoada de viver. São brisas de vento cálido, que nos arrefecem as dores das queimaduras da luta pela sobrevivência. São folhas caídas de Outono, que embelezam o chão, fazendo-o tapete para os nossos passos doridos de pés cansados das caminhadas perpétuas.

São olhos tristes, que me beijam a dor, que se transpira na pele farta de proteger as intempéries da vida. São braços fortes, que se dão, sem fim, num aconchego terno, que contém, que afaga, que acaricia a alma, num dar tremendo.

São mãos rugosas, calejadas de suster a nossa respiração, no silêncio de gestos dados ao ar, em pontas de dedos. São mãos jovens, envelhecidas, de papel de seda, que embrulham as lágrimas que não deixam escorrer.

São presentes humanos, revestidos de nomes, com laços de afecto beijados. São presença. São palavras sábias proferidas na hora ou as que ficam guardadas para não ferir. São cuidados continuados, marcados no tempo num espaço de casa que invade o coração.

São mesas fartas ou vazias, juntas na dor ou na celebração. São histórias da memória, unidas por teias que não ganham pó. São espaços sem desculpas, cheios de gratidão, sem obrigadas a não ser por educação. São vestes ricas de puro algodão, criações únicas sem pagar um único tostão.

São politicas sem religião, espaços neutros de pura reflexão. São templos puros de desenvolvimento, de aprendizagem, cheios de admiração. São conquistas diárias numa dança amiga, que nos ensina os passos da melodia antiga. São compromissos sem juras, promessas não proferidas. São viveres de dentro falados nas rugas.

São espaços no ar, na terra, na flor que brota. São presenças nos condimentos do viver. São manta de aconchego ou empurrão para a estrada. A amizade são palavras fundidas, no livro da vida. São barulho, são silêncio, são ausência de comunicação porque está tudo dito.

O amigo é mais que um Deus, porque está e é. É só preciso ter fé...só isso. A amizade não se dá é, só isso, mais nada. Coisa simples e descomplicada. A amizade é gratidão, num amor fraterno entregue e protegido por verbos que não se podem no pretérito conjugar.


terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Deitar a cabeça na almofada...pode ser pesado...

Todos nós levamos o dia a deambular numa certa anestesia societal, a cumprir muitas das nossas metas individuais, a responder aos pedidos laborais, a responder às necessidades financeiras familiares, às necessidades emocionais dos que nos rodeiam, a tentar ser BOM, EFICAZ, COMPETENTE, MELHOR...

Levamos dias, nas suas horas e minutos a existir, em resposta, em reacção a estímulos imperceptíveis, exigentes, contidos em janelas de tempo apertadas e sob grande pressão.

Vivemos sem reflexão atempada ou um saboreamento das nuances da Vida. Mas vivemos em momentos de grande angústia quando nos confrontamos com o nosso eu, na solidão do dia que acaba.

Quando me deito, torno-me quase perfeita. Sonho na mãe que podia ou devia ser, sabendo de cor o que fazer. Vejo-me paciente, tolerante, brincalhona, sorridente, exigente, educadora, mas tudo na medida certa, vejo-me sapiente do conhecimento necessário para ser o melhor de mim nessa função. Mas nessa altura os meus estímulos infantis, dormem, descansam e adoptam em si mesmos, o rosto de anjos que não me desafiam e fazem apenas jorrar de mim todo o amor que lhes tenho, sem nenhum rancor, em paz.

Tantas vezes, n vezes, tal sentimento me levanta da cama...só para os ir ver, aconchegar, beijar no rosto...move-me a culpa de não ter conseguido ser essa versão de mim mesma, defraudada pela impaciência que a Vida faz ebulir dentro de mim. Talvez movida por uma vida de desgaste temporal, que só de vez em quando me liberta para que me aproxime dessa versão aprimorada.

Sonho em ter uma vida em que o tempo se parte, e eu posso ser mulher, companheira, mãe, filha e profissional, com janelas distribuídas de forma justa, sentida, em espelho do que quero e de quem sou, para que veja essa minha essência, para que ela se revele e eu a sinta nos sorrisos que causo. Quero ser mesmo essa. Mesmo!

Quantas vezes no tecto do meu quarto se projectam slides das tarefas que não consegui cumprir no trabalho, das metas pessoais que me movem nessas áreas e que me fazem querer dar mais de mim, mas sentir que não me chego. 

Quantas vezes me perco nessas listas começando a confundir-me com todos os outros projectos que tenho para a minha casa, aquele espaço que batalho para fazer lar a toda a hora e minuto, num trabalho continuado, ingrato porque se recomeça a si mesmo, sem sequer nunca ter findado. Nesses momentos lembro-me que mesmo depois de aspirar a casa duas ou três vezes no mesmo dia, às vezes a casa mostra-me que não atinge perfeição. Poderia refugiar-me em dizer que é uma casa vivida, cheia de amor, podia! Mas, no fundo, batalho também por querer saber equilibrar esse viver doméstico, com graus e parâmetros de exigência que defini dentro de mim e que me fazem sentir sempre uma versão defraudada de mim mesma.

Deitamos-nos idealizando mudanças de dia seguinte, alavancadas em motivações interiores que à noite ganham forma e espaço, pela paz interior, pela tranquilidade com que conseguimos estar connosco mesmos. 

Nessa reflexão um pouco mais sintonizada com a nossa essência em concordância com os nossos sonhos mais pessoais. Nessas instâncias sonhamos acordados e conseguimos desenhar caminhos que nos fazem sentido e criamos espaço para eles dentro das nossas realidades. Mas, os amanhãs trazem a doença do tempo, de pirâmides de prioridades que nos são impostas pelo improviso que a Vida é e, às vezes, rapidamente nos desorientamos relativamente às nossas resoluções, porque novos incêndios se revelam e nós, que tal bombeiros, vamos ao combate de forma instintiva, mecânica...porque a vida já nos amestrou.

Penso a essas horas, nas horas da noite...acordar a malta toda para lhes dizer quanto gosto deles, quanto são importantes para mim, não vá ser este o meu último dia, mas depois desperto-me pensando anestesiada que não há mal, pois amanhã o mais certo é eu estar cá e conseguir recomeçar estes meus jogos de malabarismo entre versões de mim mesma que se forçam a coexistir, em lutas tirânicas que penso resultarem num eu que um dia, talvez um dia, seja realmente a melhor versão de mim num "upgrade" humano mais próximo do ser que eu julgo coabitar comigo.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

No meu corpo...a beleza é minha.

Olá a todas...este texto é para nós mulheres.....para todas ou só algumas...

Hoje em dia, no cimo dos meus 45 anos, proficiente em todas as minhas mazelas e áreas a necessitar de remodelação ou melhor, aceitação, debato-me em conversas com amigas, clientes, familiares, senhoras que oiço à passagem pelos antros mais femininos (sem nenhuma intenção de descriminação de género) com as conversas que mantemos e nutrimos entre nós mesmas e aquela voz irritante do grilo falante, pendurado no nosso ombro, que nos chateia constantemente sobre onde é que a barriga devia estar, em que nível de suspensão deveriam os seios se encontrar, as imperfeições da pele aqui ou ali, as rugas que surgem, os cabelos que se pintam, as roupas que se escolhem para ocultar n partes do corpo, as luzes que têm de se apagar, entre tantas outras paranóias que nos assolam nestes monólogos a uma só voz - por sinal insana de todo, mas que nós veneramos e à qual parecemos obedecer na procura do santo Graal da beleza física, da perfeição definida sabemos lá nós por quem, mas que se escarrapacha em todos os sítios que visualmente nos invadem as retinas e nos forçam a evoluir o conceito de beleza, para algo que eu de forma simpática defino como doente.

Bolas...

Quando eu pergunto a alguém, o que ama no outro, o que aprecia no outro. Surgem tantas características, tantas, e das quais nem metade são físicas, ou sendo, passam por elementos não passíveis de críticas. Se eu pergunto porque sente ou acha que o "outro", o alvo dos afectos é belo...ou pergunto se o acha belo, a maior parte das vezes a resposta é positiva, senão sempre, e ao descrever o outro, a descrição revela realmente uma pessoa adorável, que eu aos olhos da descrição também quero conhecer, mas que raramente me fornece os dados biométricos do indivíduo em questão.

Então, porque nos andamos a tornar obcecados com a física?



É por questões de saúde? 

Não pode, porque muitas das pessoas que são hoje admiradas pela sua beleza, vivem vidas doentes para estar dentro desses conceitos. Não pode, porque os seus pesos e medidas, são quase impossíveis de atingir pelo grosso da população pelas suas próprias estruturas físicas. Não pode porque a pessoa não vive para estar e ser saudável, vive para caber dentro de um determinado número ou atingir um determinado peso. Come de forma matemática, conta as calorias, os componentes de cada grupo alimentar, pesa os alimentos, conta copos de água, conta as horas sem comer, mede-se, pesa-se...aprisiona-se a objectivos, que dão ilusões de controlo.

Para mim, em desabafo, em abanão a nós mulheres, digo que é porque nos amamos pouco. Porque não nos sabemos belas, não nos sentimos bonitas, não somos donas do mundo, perdemos-nos de nós e vemos sombras nas coxas, peles enrugadas, duplos queixos, mazelas invisíveis a olho-nu, mas que para nós estão mapificadas, como as curvas geodésicas das montanhas mais estudadas.

É claro que é importante gostar do nosso corpo, estar em paz com ele, tentar ser e estar saudável. Lutar para que o desleixo, a desistência, a dificuldade, a doença (em alguns casos) entre tantas outras razões, não nos levem a um estar que não aceitamos, que nos massacra, tornando-nos infelizes. Mas, cuidado com os exageros, porque temos de aprender a amar tudo de nós, reconhecer a beleza que a mulher tem em si, só por ser. As intrincadas redes que nos compõem e definem, caracterizando as nossas personalidades, no conjunto do corpo que é sedutor, com curvas, detentor de capacidades únicas, desenhado e moldado para cativar, onde se depositam as capacidades de amar de forma única, de sonhar e editar a vida. Onde um olhar revelador, seduz e controla. Onde apenas uma vontade intelectual, pode ser a ferramenta mais bela de um relacionamento.

No outro dia, disseram-me que eu era vaidosa.

 
Fiquei a pensar...e tenho duas respostas.


Não, não sou. Aprendi foi a amar-me como sou e gosto muito de mim. Acho-me bonita, na maior parte dos dias e nos que não estou ou sou, ou sinto que não estou ou sou, não deixo de gostar de mim.


E sim, sou vaidosa

Sou porque sei o que tenho em mim que gosto, que realço, em que me apoio para a imagem que reside de mim em mim. Sou na escolha do que visto, no toque que quero dar, na forma como me quero pôr a enfrentar o mundo que me espera. Sou porque gosto de me ver, porque toda eu conto uma história, até nos dias em que não me sinta assim. Sou, porque não me admito a mim mesma elevar auto-críticas ao papel de me ditarem, como me vejo ou quanto de mim gosto. 

Mas, sou uma vaidosa em mudança, porque tenho de aprender a ir reconhecendo aquela que sou, na passagem do tempo, no que perco ou ganho com a chegada de mais um dia ou um ano. Acima de tudo sou vaidosa, porque venço as lutas com a minha própria imagem, não permitindo que o mundo lá de fora, das capas de revista, das imagens vendidas, me ditem quem sou. A beleza é minha. A beleza é nossa. E se dentro de nós residir uma mulher que se ama, há uma beleza infinita que se estende aos outros.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

E há pessoas assim...

Nas relações humanas, tenho visto de tudo, tenho ouvido de tudo e vou-me confrontando com aprendizagens sobre os seres humanos a toda a hora.

Por mim, o mundo não era assim, com pessoas assim...era um mundo com pessoas inteiras, donas de si, que na sua existência e essência soubessem respeitar o outro na sua inteirice e não cá por metades ou apenas partes.

Isto das pessoas assim, não aceitarem que cada um é em si mesmo uma peça única, com todas as estranhezas ou riquezas que a definem, rouba a vida do seu bem maior e passa a entregar-nos o outro numa interpretação constante de quem eu acho que o outro é, com expectativas a serem goradas e desilusões a baterem à porta.

Desde quando é que no conhecer do outro, devemos nós partir do pressuposto de que o outro se mede por medidas semelhantes às minhas?

Que real interesse isso teria...?

Talvez tivesse contida em si a resposta de quem é que eu sou, isso sim. A resposta que eu busco no reflexo de mim nos outros ou do que idealizo ver de mim nos outros. Talvez seja a reflexão de que me procuro eu no outro e vou assim tentando obter respostas no "desenhar" das pessoas com quem me vou cruzando.

A verdade é que até podemos ter afinidades, sem dúvida. Até podemos ter valores morais semelhantes, padrões de cultura ou de comportamento idênticos mas, na realidade, na vida vivida no seu dia-a-dia, somos diferentes até à última célula (e talvez quase iguais em todas elas) e diferenciados desde o pensar, ao sentir, ao agir.

E, se conseguíssemos  ver as pessoas assim talvez se tornasse uma tarefa mais fácil aprender a aceitar o outro por quem é, no que dá, no que não dá, no que o define, no que o inquieta, no que o apaixona ou torna curioso. Talvez conseguíssemos andar todos mais felizes, com menos desilusões, com mais amor verdadeiro dentro do peito, porque entendemos que o outro é assim e tem o seu espaço próprio, que não é definido por mim e pelos meus desejos ou vontades.

Talvez vivêssemos a magia de conhecer realmente o Outro, entidade completa e distinta de mim e das minhas projecções.

Há pessoas assim, que desiludimos ao sermos, porque apenas não somos quem eles julgavam que fossemos. Há pessoas assim, desejosas de nos aceitar, não sabendo como, querendo descobrir porque fascina, mas desertas também de realizar o sonho de nos transformar na pessoa que acham que somos, porque é dessa que talvez gostem mais. Ou, é essa que julgam gostar mais...

E se as pessoas fossem todas assim, a achar que as outras são...à medida dos seus sonhos e fantasias, então não havia pessoas, nem assim, nem de maneira nenhuma, porque as que havia nunca eram...

Ser amigo é uma trabalheira, ser companheiro mais ainda, porque o gostar e o amar tudo intensifica. Ser pai ou mãe, filho ou filha é um labirinto. Ter papéis e representações de nós mesmos uma tese de mil páginas...Ser Pessoa é complexo, lição inacabada. E ser eu, já é trabalho que chegue, ou não? Vamos lá ser quem somos e reconhecer os outros por quem são. Porque há pessoas sim, todas elas como são.

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Presos na dor...

Baixo os braços...perco a luta, saturo-me do combate, tenho momentos que me dói de doer, que não quero mais, me perco na escuridão de uma pele mortiça que redoma a destruição maciça.

A dor crónica tira o respirar, tira a paciência, tira o sorriso da alma, enruga o corpo, desfeia o rosto, escurece o céu, enegrece os pensamentos, torna macilenta a Vida. Rouba a criança, arrasa o adulto, massacra a família.

Acordar sem dono, acordar querendo continuar a dormir, porque se julga aliviar.
Foge-se dela, como se fosse possível, mas ela arrasta-nos ao chão, luta connosco e prova-nos a vitória, que nos escorrega das mãos.

Tem dias, dias longos e penosos, que nos fogem da memória mas, que marcam em feitio e a certa altura em personalidade. Tem dias curtos, que nos iludem e namoram, como se de repente afinal fosse possível ser sem dor. E nesses rasgos de luz, nessa ilusão, cria-se uma esperança e buscam-se forças para que o amanhã venha mais cheio, mais doce, menos cruel.

Viver na dor, é viver preso. É ter de querer aprender a viver com, e não apenas pensar que se quer sobreviver.

Enquanto se tenta apenas sobreviver, deixar passar o tempo, numa anestesia mental de que talvez um dia ela desapareça e nunca mais volte, é não viver, porque se assenta o amanhã, os momentos seguintes no seu desaparecimento total. Porque se sonha que só se vai viver de novo, quando ela não estiver. Mas, isso é que é o pesadelo, que nos arrasta para uma vivência em modo de sobrevivência, numa esperança ridícula que não nos permite nada, porque a dor fala mais alto.

A dor, se for crónica, é para ficar. Temos de a conhecer, profundamente e reconhecer o nosso eu, que se perde nas suas teias. Destrinçar quem sou, da dor. E diferenciar, quem quero continuar a ser no meio dela.

Com isso em mente aprender a saber quando consigo eu enganá-la. Quando e porque é que às vezes a consigo apanhar distraída. Que momentos do dia, da semana, do mês, tenho eu menos presença da inimiga? Há ciclos ou não? Que poder tenho eu sobre? Que recomendações é que já tentei e resultaram?
Que quero eu?

E ganhar terreno sobre é crucial. Não permitindo que a dor me anule, me altere, me transforme tanto que eu não me reconheça.
Tenho dias de gruta, de animal enjaulado, em que teria fome de sangue, contra um inimigo invisível, em que me dói estar vivo. E? Que faço eu? Atiro a toalha ao chão? Deixo que a minha essência me seja roubada, violentada, atirada às ondas na impotência de não saber com o que contar? Ou, à minha maneira, no meu saber de mim, que mais ninguém tem, luto contra?

Temos muitas das vezes de educar quem rodeia, explicar em que mundo nos vemos de vez em quando e porque é que em certos momentos, um monstro toma posse de nós. Temos de ser porta-voz da nossa dor, descrever, pedir empatia para com os nossos viveres. Mas, acima de tudo, temos de nos ajudar a não cair nos círculos que a dor nos cria, que nos empurra para, onde nos perdemos em dores maiores, que deixam de ser físicas ou psicológicas, para serem dores gerais.

Tenho dias que me dói a pele, como se não suportasse o meu próprio peso. Tenho dias que me dói a alma. Tenho dias que não sou eu, que me desconheço no espelho ou nos limites físicos de mim, que me definem como fronteiras para com o mundo. E nesses dias era tão fácil sentir-me só, sentir que sou única no mundo e que sou a pessoa que ninguém compreende. Nesses dias era tão fácil, sendo cruel, ouvir as sereias que me tentam como aos marinheiros, a agir na loucura de um momento, um momento de desespero e de impotência. 

Mas...esses dias têm de ser banidos, lutados contra, erradicados, recusados. Esses dias, eu levo ao tapete e ando à pancada, mostrando que no meio de tudo ainda existo eu, a que me guarda, a que zela, a que se recusa a deixar de sonhar ou de viver com a vontade, a gana que me define.

É uma luta, é.
É desesperante, sim.
Mas, a sobrevivência não reside no viver, reside nesta luta que eu não posso permitir que a dor ganhe, para que a vida seja então vivida e não sobrevivida.

É nessa luta que me foco, não contra mim, o mundo, a fé, Deus, a medicina, os outros...é na luta contra a dor que despendo as minhas forças. Na sua banalização, no roubar-lhe o poder de me dominar. Focando a minha mente (com tudo o que me reste), em seguir caminho, uns dias sem me sequer lembrar que ela existe, noutros a lembrar-me a todo o momento que não quero que ela exista.

Há dias em que a mando à merda, com toda a força, outros...os mais difíceis, tento fugir não dela, mas da pessoa em quem ela me quer transformar.

Nos dias que me dói a pele e a alma, peço colo ao mundo e faço dentro da minha mente reuniões com os administradores, vendo os melhores cenários, não me deixando ir à falência. Se for preciso choro, e choro muito, mas depois não lhe dou vitória. Não posso, não devo e acima de tudo não quero. Não quero ser presa da dor. E muito menos que ela me defina.

Vamos à luta e quando faltarem forças, vamos aprender a pedir ajuda. Vamos aprender a pedir colo.

Vamos acreditar, que há dias melhores e saborear na memória tudo o que já fomos e somos. Há dias em que independentemente das condições adversas, renascemos e não deixamos de ser nós, em grande, em pleno.

Bem hajam os que lutam contra a dor. E vamos lá com força nas "canetas", que a vida é para ser gozada à grande.

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Sonhos...

Hoje acordei com este mote na cabeça, e decidi escrever algo sobre os sonhos.
Não aqueles que nos reinventam de noite, que nos arrumam os pensares e servem os seus propósitos fisiológicos, mas aqueles que nos mantêm acordados, nos impulsionam, nos fazem ser, nos encaminham pela Vida.

O que são os sonhos, porque é que o Homem sonha? Porque precisamos nós de sonhar? É o homem insatisfeito e os sonhos são a resposta a essa insatisfação? Ou, os sonhos guiam o desejo de querer mais da Vida, de nós, dos outros...

Será que acreditamos ser gigantes em nós mesmos, e nos sonhos damos asas a esse voo, conseguindo ser maior, ser mais feliz, ser mais...ser eu?

A cada sonho realizado que sentimos nós? A cada sonho perdido, que perdemos nós?

O Homem vive num mundo encantado, rodeado de teias minusculas e intrincadas de oportunidades de sonhar, mais e melhor. Vive carregando dentro de si milhares de sonhos, desejos, vontades, que brilham no interior, como se de estrelas se tratassem, para guiar o caminho a um mundo melhor.

O Homem alimenta-se de sonhos, como da Vida, porque é nestes desejos do que fazer, do que ser, do que ter, de onde ir, que o Homem na realidade existe e encontra a energia para querer ser mais...ou mesmo, até, a energia para ser.

A essência de nós está nos sonhos, nos desejos e vontades, que traduzimos e contamos vezes sem fim, no nosso eu interior, onde bailam cenas da realidade, e de um futuro sonhado.

Olho o meu rosto no espelho, e sonho um dia mais tarde, envelhecer com graciosidade, com o rosto a espelhar a menina que trago ao colo dentro de mim.

Olho uma praia bela, imensa, pura...num dia perfeito, com um pôr-do-sol fascinante e sonho lá voltar, repetir a experiência. Olho o rosto do meu filho, e imagino-o crescido, dono da Vida, parte de mim...num rosto crescido fruto do caminho, rosto que revejo em viagens mil e, sonho estar lá no caminho, fazendo parte da história, criando avenidas por onde ele passe e sonhando em conseguir limpar-lhe o caminho.

Olho a casa, as paredes...e sonho com a cor da parede, penso no sofá que se precisa...na moldura por pendurar. Viajo de carro, e penso naquele que sonhava ter em miúda, quando tirei a carta...e penso, se tenho o sonho de um dia o ter, ou se o sonho mudou...

Olho o rosto, que dorme ao meu lado e sonho aliviar a expressão, sonho os ontens todos e crio ciúme do que já não vivo, mas sonho com os amanhãs que restam. E sonho tanto. Penso quem sou, o que faço...o que reconheço em mim ou, que gostava de mudar e começo novos sonhos, onde tento encontrar os momentos onde o vou tentar fazer...e sonho mais.

Sonho em ser melhor e mais de mim, dar tudo para saber que acredito, que serei capaz de caminhar sem medo de errar, porque sonho em corrigir em lucidez as coordenadas. Acentando âncoras onde tiver porto, montando acampamento onde temos de permanecer até saber seguir.

Acordo, nos braços de um sonho, e sonho tantos outros, sobre todos os caminhos que quero trilhar. Questiono se a vida me basta, se serei pessoa que chegue, se terei forças que restem, ou oportunidades por vir, que me permitam, nesses acordares, nesses desejares, a concretização dos sonhos todos.

E às vezes sonha-se tarde...num tempo curto, em que ainda queremos dar sonhos aos outros, finalmente prontos para...mas, o tempo talvez já não toque a seu jeito.

E às vezes acorda-se na vida, e sabe-se que em partes de nós adoecemos, temos lutas a travar, contra doenças, contra invasores, faltas de cuidados, irresponsabilidades jovens, marcas de desleixo...e percebemos que precisamos de mais, mais tempo para sarar, mais tempo para sonhar e agradecer o que se tem e sonhou. O que não se perdeu, o que remanesce. O que cria caminho de frente, de rosto de fé...

Sei que o melhor da Vida, está por chegar...sonho que sim.