sexta-feira, 16 de março de 2012

Perdão

Perdão...Perdoas-me? Perdoou-te? Sou capaz de te perdoar a ti? Entregamos o nosso coração nas mãos de alguém? Entregamos esta dádiva de desculpar alguém, por algo que nos magoou profundamente? Somos capazes? É fácil, ou muitas vezes impensável?
Nas minhas conversas, sinto muitas vezes, que este simples elemento destrói famílias, casais e pessoas, por se transformar num gesto ou sentir, difícil de dar, difícil de gerir, e que se torna quase que intransponível a barreira que deixamos que se crie entre a mágoa e a nossa capacidade de deixar ir, de perdoar, com honestidade o outro, a ponto de esquecer.

Conversemos sobre perdão, e pensemos um pouco nas suas implicações...

Podemos banalizá-lo, e pensar que se eu espirro eu peço perdão; se eu arroto, ainda que de boca fechada, eu peço perdão; se vou de encontro a alguém, ou se piso alguém sem intenção eu peço perdão...e a maior parte das vezes os outros parecem dispostos a perdoar estas minhas falhas, assim como eu estaria disposta a fazê-lo...mas este fenómeno complica-se...na relação, digamos na relação de amor.
No entanto, embora se complique, continua muitas vezes simples, se existir uma relação de pai-filho, ou de mãe-filho. Vejamos, por exemplo, se no meio de um aborrecimento o meu filho me disser que está farto e que eu sou má para ele quando o disciplino, ou se ele me disser que prefere a comida da escola, ou se ele me disser que eu não o entendo...o meu coração embrulhado com estas mágoas e ofensas, baralha tudo, e deixa que saia vitorioso o meu amor incondicional por esta criatura que é o meu filho, e que o perdão que me faz esquecer, permite colocar o contador a zeros, e sem dúvida nenhuma que o perdão ocorre, e as memórias de tais eventos, suavemente se vão apagando nas memórias, e o amor incondicional emerge com tal intensidade, que num mínimo intervalo de tempo, mágoas se apagam, e a relação muitas das vezes até se intensifica.

Vamos então complicar mais um pouco, quem temos nós dificuldade de perdoar?

Sem dúvida que é quem amamos, pois são capazes de nos magoar mais e de forma mais profunda, mas nem todos os seres que amamos são arrumados nas mesmas caixinhas, há uns que têm um carácter de importância ou de proximidade que lhes permite, alguns bónus. Assim como falei dos filhos, talvez fale dos pais...certo? A maior parte de nós tem uma grande capacidade de perdoar os pais, mesmo que nos tenham magoado, pois, na maior parte das vezes, as memórias do seu amor e dedicação incondicional a nós, treina-nos esta sensação, de que eles merecem uma retribuição e entrega semelhante. E assim acontece, a maior parte das vezes.

Continuemos a complicar...os irmãos estão numa caixinha perto da dos pais, mas com diferenças, certo? Há um afecto e dedicação inexplicáveis a estas criaturas de quem somos irmãos, com quem podemos ser parecidos ou não, ter uma relação muito próxima, ou distante, mas, mesmo assim a nossa capacidade de perdão continua quase que semelhante às categorias de filhos e pais, apenas talvez, numa dose um pouco menos tolerante.

Por isso, tenho de continuar a complicar...a quem nos custa então perdoar? Aos amigos e companheiros? Seres a quem amamos mas retiramos a incondicionalidade ao afecto, e por isso mesmo, torna mais difícil a entrega deste sentimento nobre e puro, a quem amamos?
Ou, para alguns de nós os amigos e os companheiros ainda têm categorias separadas, com uns mais capazes de receber os nossos perdões?
Quem perdoamos com mais facilidade, o amigo que se esqueceu do nosso aniversário, ou o companheiro?
E se o fazemos assim, porque o fazemos?
Terá a ver com a expectativa que temos de que este alguém que nos conquistou, e que divide vida connosco, ganha também a expectativa de ser o ser ideal, que me entregará um amor como o dos meus pais, mas desta vez merecido pela relação e não pelos genes? Porque a minha expectativa é que este amor, por não ser um amor familiar, é o verdadeiro valor da minha pessoa enquanto entidade neste universo.
Será porque nos olhos de alguém que eu conquistei por mim, eu me vejo como quero ser, e sei que não é igual à visão que os meus pais têm - aquela em que tudo lhes parece bem. Sim pode ser isso, pode ser que nos seja difícil perdoar à pessoa de quem esperamos mais. Nesta relação queremos ser especiais e estabelecer uma ligação isenta de falhas e cheia de expectativas, que nos enchem a alma, e nos fazem sorrir sempre que sonhamos com esta relação, por isso, perante uma falha, às vezes mínima, ou não, o que importa é o tamanho da mágoa que deixa, e as expectativas que arrasou...e talvez para continuar a sentir-me pessoa, eu quero continuar a agarrar-me a esta zanga e mágoa, pois preenche o sítio onde as expectativas estavam, e não me deixa perceber que o perdão pode ocorrer, e se assim fosse, menos amarguras e vazios teria a minha alma.
Naquele momento parece que o meu "eu" depende do não-perdão, pois sinto que se o der, me vergo, me dobro e desisto da relação de sonho, e agarrada a estes pensamentos, talvez quase que idiotas, não vejo que tenho nas mãos a ferramenta mais poderosa para ganhar proximidade, e para aprofundar a relação de amor condicional que nutro com o meu companheiro, e que através do perdão das nossas falhas mútuas, amamos a verdadeira pessoa com quem partilhamos a Vida, e não o ideal, que fomos fantasiando ao longo da relação, que se calhar foi sendo uma não-relação.
Perdoar, é levantar um peso enorme em nós, em primeiro lugar, e permitir ao outro uma segunda oportunidade, e é a toda à hora treinar a aceitação do outro, que procuramos constantemente nos nossos caminhos, para a nossa pessoa.
Perdoar, faz-nos felizes. É como se conseguíssemos soltar ancoras que prendem o nosso barco, e que embora nos deixe seguir caminho, vamos amarrados a um certo espaço no tempo, que não nos permite liberdade total.
Experimentem...
Não querendo complicar mais, perdoar quem amamos muito, e temos em caixinhas não-familiares, torna-nos melhores, mais aceitantes, mais felizes e dá à nossa relação uma verdadeira oportunidade, para que funcione, e permite que ambos possamos tirar destas trocas, um amor que justifique acreditarmos em nós e nos outros.
Perdoem...perdoar é amar verdadeiramente.

1 comentário:

  1. Este é muito interessante!O perdão...nunca tinha pensado desta forma...
    continua Rosa!
    Beijos
    Bela

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