terça-feira, 8 de maio de 2012

Culpas...carrego, desilusões e pressões


Nota Inicial
  • Este texto é dirigido essencialmente às mulheres, que são mães, filhas, amantes, donas de casa e que trabalham no exterior, naquilo que podemos considerar uma carreira...(não fará mal aos elementos do sexo masculino lerem a reflexão, no entanto, o seu objectivo será então o de conhecer um pouco melhor o mundo interior de algumas mulheres).
  • Ressalva que quero fazer, vou escrever este texto generalizando estas vivências, com a perfeita noção de que muitas mulheres já não vivem estes sentimentos, no entanto, muitas ainda vivem, e muitas eu oiço e ajudo, e por elas e por todas as que assim se sentem, que fique aqui uma ode a todas, que vos inspire para que se libertem desses carregos.
(...)
Só sei que 

há vozes gritando 

a culpa que sinto 

pesar-me na alma, 
há ecos cavando 
a dor que pressinto 
em noites de calma... 

Só sei que 
suspensos enredos 
da minha agonia, 
urdida ao serão 
em grande segredo, 
tornaram vazia 
a minha intuição. 

Fiz mal? Sim ou não? 
Onde e quando? 
Dizei-mo, dizei-mo! 

(...)
Isabel Gouveia, in "Os Sete Dias Passados"

Vou iniciar esta reflexão, de uma forma um pouco diferente, vou começar por apontar ou definir os termos sobre os quais vou falar, de uma forma mais generalista, e após criar essa definição, ai sim, farei a reflexão mais personificada, tentando chegar a quem me queira ler...

O sentimento de culpa, faz-nos sofrer e resulta depois de termos passado por uma situação, em que julgamos que tivemos um comportamento reprovável. Quando sentimos que pecámos, ou que estivemos mal, errando no que fizemos. 
A culpa tem um sentido vivido no dia-a-dia, baseado neste sentimento de não termos feito o correcto e tem também em si o sentido religioso, por podermos ter transgredido uma norma, ou um tabu religioso. Claro que não necessitamos de ser religiosos para sentir culpa, pois na cultura em que vivemos, numa sociedade maioritariamente católica, este conceito transcende as paredes da religião e espalha-se como um componente de regulação comportamental alimentado pela cultura.

Por curiosidade, segundo os censos de 2001, 90% da população portuguesa, identificou-se como católica, podendo haver aqui uma reflexão a fazer, para entendermos que muitos dos conceitos morais e das exigências sobre as quais regemos a nossa vida, independentemente do nosso crer religioso, é influenciado pela cultura da sociedade em que nos inserimos, assim como a cultura de toda a nação.

Mais, as emoções provocadas por estes erros, e as reacções que temos face a estas culpas e desilusões, podem ser de tristeza profunda, de raiva, de vergonha, de remorsos, de paralisação ou impotência pensando que não sabemos fazer melhor, e tendem a tornar-se pensamentos recorrentes, que se tornam impeditivos de encontrar novas soluções ou de viver momentos de prazer. Nestes processos há quem se recomponha mais depressa, mas há pessoas que ficam num tormento renovado, com arrependimentos por decisões tomadas e sem capacidades de perdão ao próprio.

O meu objectivo é então o de nos ajudar, a nós mulheres a perceber um pouco o que nos faz viver estes momentos de culpa e carrego emocional, pressionando-nos além do que suportamos, e nesse processo arranjar uma solução, que nos permita pelo entendimento, uma viragem e uma vivência positiva.
O que carregamos nós então?

Pensem que o que vou partilhar em seguida pode ser inconsciente, pois somos mulheres "modernas", e não acreditamos em muitas destas coisas, no entanto, no íntimo, existem umas vozes que tentamos não ouvir, mas que nos dizem baixinho coisas que nos deixam na dúvida, e que permitem que culpas desadequadas se instalem, e por isso eu falar nelas, ironicamente que seja, mas para que ganhemos consciência que algumas destas ideias disparatadas, ainda têm raízes dentro de nós, e por isso são relevantes.

Talvez o peso da geração anterior, que numa vivência distinta da nossa, nos ensinou a ter e a querer, ou não aceitar nada menos do que um lar limpo, arrumado, organizado, sem motivos de vergonha a qualquer hora do dia, caso viessem visitas...um lar que fosse a expressão da virtude da dona da casa, e todo ele entregue à responsabilidade dessa gestora do lar, que, na actualidade, já vai tendo muitas vezes um elemento de equipa que ajuda e colabora, mas que com isso, não livrou, ou fez desaparecer, os sentimentos internos femininos de que essa deveria ser a sua função sozinha, e que se "realmente fosse uma boa mulher" então deveria ser capaz de o fazer só. 

Mais, acrescentamos agora a ideia de que queremos estar sempre bonitas, em ordem, em forma, mesmo depois das gravidezes, para que os nossos companheiros(as) continuem enamorados por nós, e além disso, devemos estar disponíveis para momentos íntimos, ainda que não seja esse o nosso real objectivo naquele específico momento, pois essa também é parte da nossa função.

Temos filhos, e a eles dedicamos todo o nosso tempo, livre e não livre, pois mesmo não estando com eles, estamos a pensar a maior parte do tempo neles. Mas esse tempo todo que dedicamos, para nós é sempre pouco, pois muitas de nós também temos carreiras, não apenas trabalhos, e como também temos que provar que somos iguais aos homens, competentes nas carreiras, gerimos os tempos em segundos, de forma a sermos competitivas e boas profissionais, e conseguirmos ainda e também, chegar a casa e sermos e competentes e boas mães.

Nesse momento podemos ainda acrescentar que provavelmente estamos a fazer o jantar, que fomos decidindo ao longo do dia, enquanto orientamos os banhos e os TPC dos filhos, e que no meio de tudo isto (que eu resumi, e não alonguei, pois a lista facilmente poderia ser demasiada para o âmbito do blogue), às vezes ainda vamos fazendo uns telefonemas às nossas mães a saber como foi o dia delas, ou a uma amiga, que sentimos ter tido a voz "murcha".

Que o discurso não anule o papel dos homens da nossa vida, pois muitos deles já vão partilhando estes momentos, quase que alucinados, de tanto que queremos fazer em tão pouco tempo. 

Mas, também não quero descurar que é muito mais no feminino que recai a responsabilidade da gestão do lar, desta organização invisível que assegura a rotina diária, e acima de tudo, para o propósito da reflexão, destacar que é muito mais feminino, assumir que podemos fazer tudo isto, de forma perfeita, no seu devido tempo, e se isso não acontecer e não sentirmos que o tempo está bem distribuído, sentimentos de culpa avassalam-nos e roubam-nos de tempos individuais que poderíamos ter, dos tempos de casal que são cruciais para o equilíbrio e para a base de qualquer família.
E essas culpas que carregamos, que nos aumentam as pressões, para além de nos aprisionarem em mundos irreais que aparentam não ter solução, fazem-nos sentir constantemente em falta, tornando-nos seres que na busca da perfeição, ficamos amargas e cada vez mais sentimos culpa, pois cada vez mais sentimos que nos foge o tempo, e que temos de nos confrontar com a imagem de que não vamos conseguir ser perfeitas em tudo, e gerir tudo de forma a que todos os mundos fiquem em harmonia.

O nosso bem-estar vai passar muito, senão totalmente, por perceber que estas vozes, não nos ajudam, por perceber que há áreas que necessariamente terão de ficar menos cuidadas, aprender a arranjar ajuda (gratuita, voluntária ou paga), para as coisas das quais não dependem os meus verdadeiros valores, e optarmos por entender que há aqui um caminho e uma direcção que se não for respeitada, vai fazer com que todos estes nossos desejos de dar o máximo, de se estar em todo o lado, e de nos entregarmos a 110%, se tornem inválidos e geradores de culpa, remorso, e em última análise uma insatisfação permanente.

Que direcção é esta de que eu falo, é uma direcção que protege a minha identidade enquanto pessoa, levando-me a perceber que para eu ser boa mãe, filha, amante, trabalhadora, etc., eu tenho de estar bem, tenho de algures na gestão dos meus tempos perceber que há momentos que vão ter de ser só meus, para que eu ganhe energias, para que me respeite, para que o meu eu não se perca nestas corridas, e isto só funciona, se eu conseguir fazê-lo, silenciando as vozes que me roubam a tranquilidade e me podem estar a acusar de ser "má" qualquer coisa...preciso de um banho sem pressas, preciso de um café numa esplanada, sem estar a pensar em nada, de um mimo a mim mesma de vez em quando, de uma ida ao cabeleireiro, de uma leitura à beira-mar, etc...

Esta direcção é também aquela que me ensina a respeitar a base da família, a encontrar um tempo para o casal, sem filhos, sem culpas, para que a equipa não se desmonte, para que a distância seja curta, para que um olhar seja compreendido, pois a sintonia não está em risco. Para que fazer amor, não seja mais uma tarefa a gerir e a colocar numa agenda de afazeres, em que o cansaço acumulado, me obriga a adiar a sua realização.

Esta direcção é aquela em que aprendo a estar com os meus filhos em momentos puros, em que não faço 10 coisas mais, e em que sinto, que não lhes dei de mim, por isso nos meus agendamentos, tenho de me organizar para que duas a três vezes por semana, o jantar, ou a casa, não me impeçam de brincar, de ir ao parque e roubar meia-hora à agenda, e assim sentir que aquele momento foi mesmo só deles, com atenção dedicada.

Esta direcção é aquela em que eu aprendo a tirar partido de sermos de forma inata boas gestoras, e conseguirmos ter ideias que nos permitam, enganar o relógio, para enganarmos as vozes...

A culpa, pode ser um sentimento completamente inútil se não nos perdoamos, e se não a usamos para mudar, para perceber que às vezes as suas origens são irreais. A Vida mudou, a sociedade e nós mulheres ainda nos estamos a habituar ao que significa gerir esta mudança de papéis e exigências, fazendo com que isso seja coincidente com uma mudança no que as vozes nos dizem, com aceitarmos que novas expectativas têm de ser desenhadas e que não vamos conseguir gerir tudo com o mesmo grau de qualidade, o que implica decisões e escolhas...o que implica ter a noção dos tempos que são importantes proteger, e os sentimentos que são importantes manter ao largo.

Usemos criatividade, boa gestão, recursos, gestão partilhada, horas que supostamente nem existiam, e vamos aprender a viver estes novos tempos, nesta nova era, livres do carrego, e do peso de sermos muitas vezes incapazes de nos perdoar a nós próprias.

Sejamos as mulheres que somos, na diferença de quem partilha a Vida connosco, e com isso, sejamos uma balança de dois pratos, em equilíbrio...corram com as vozes da vossa vida, oiçam o coração...que estará mais certo muitas das vezes. 

Sejamos as mulheres heroínas que todos os outros vêem em nós, sejamos nós mesmas, tão capazes de ser!



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