sábado, 10 de março de 2012

Acolher



As minhas reflexões no blogue, são temas que alguém, num determinado momento da minha vida, me sugeriu, ou inspirou, fazendo-me pensar no que está por detrás do mais óbvio e directo. Esses são os ensinamentos que tiro das conversas de sofá que faço, com as pessoas a quem eu chamo clientes, mas que sem dúvida nenhuma me dão um pouco das suas vidas nos momentos em que nos cruzamos. Hoje deu-me para falar de um termo, que é de extrema importância para mim, para as famílias com quem trabalho e nas famílias, nos casais, nas casas, nos hotéis, nos restaurantes, em todo o lado, onde nós seres humanos partilhamos existências e espaços.

O que é acolher ou sentir que fomos acolhidos?

A palavra acolhimento vem do verbo acolher, em latim accolligere.
Como substantivo significa o acto de dar acolhida; agasalhar; hospedar; amparar; proteger; abrigar.
Pode receber-se alguém bem ou mal, ou acolher-se de braços abertos.
Também significa aceitar, e receber.  Mais ainda, refugiar-se.
Significa também que é um acto que esperamos, para nosso conforto próprio, ainda que possa ser negado por aqueles mais chegados. Parte de um desejo profundo de sermos acolhidos (talvez aceites).

"Ainda que meu pai e minha mãe me abandonassem, o Senhor me acolherá." – Isaías 27:10

Esta reflexão tem como objectivo iniciar o processo de procura de entendimento sobre o que queremos ao sermos acolhidos, ou o que queremos ao acolher alguém.
Eu penso, que as nossas mães começaram por nos acolher em seus úteros, deixando-nos crescer dentro de si, salvaguardando a todos os momentos desse processo que a nossa segurança estava mantida, e a encher-nos de sensações que nos dão tranquilidade, paz, conforto, todas as condições eram mantidas para nosso pleno bem-estar. Até a nossa posição encolhida, nos permitia uma proximidade, que assegurava, conforto. (Divagações...acho eu, pois acho que estar dentro de minha mãe, só pode ter sido bom).
E, por divagações e experiências como estas que se engravam no nosso cérebro, coração, pele (...acho eu), levamos a vida a tentar acolher os que amamos e a tentar sentirmo-nos acolhidos nos caminhos da Vida por onde andamos, e com as pessoas com quem nos vamos cruzando.

Sonhem comigo por um bocadinho...qual é a vossa sensação quando entram em casa, vossa ou de alguém, e cheira a bolo saído do forno? (dou-vos um bocadinho de tempo para imaginarem com todos os sentidos).
E se o bolo for de chocolate? A sensação muda? Intensifica-se?
Qual é a sensação de vir da rua fria, no Inverno, e entrar em casa, com a lareira acesa, e com um bule de chá quente?  
Qual é a sensação de sair de um banho quente, e de nos abraçarmos a uma toalha turca macia, vestindo de seguida um pijama de flanela?
Qual é a sensação de depois de tomar banho no mar, deitar ao sol, e sentir o calor dos seus raios a secar-nos o corpo?

E se a todas estas sensações eu acrescentar uma pessoa, talvez alguém especial, o que acontece aos exemplos?

Qual é a sensação de vir da rua fria, no Inverno, e entrar em casa, com a lareira acesa, e com um bule de chá quente feito pela minha mulher, que me espera com um abraço?
Qual é a sensação de sair de um banho quente, e de nos abraçarmos a uma toalha turca macia, vestindo de seguida um pijama de flanela, e dormir nos braços do meu amante?
Qual é a sensação de estarmos tristes, e em silêncio, um amigo nos abraçar?
Qual é a sensação de dormir despido abraçado e entrelaçado ao companheiro de uma vida?

Parece-me que falamos de diferentes experiências, umas que nos evocam sensorialmente, prazeres e sentimentos de abrigo, acolhimento, que nos fazem sentir em segurança e em conforto. Outras, que são emocionalmente reforçadas porque o acolhimento não é apenas físico, vivencial, mas sim emocional, fazendo-nos sentir exponencialmente mais aceites, pertença não só do mundo mas de um alguém.
Levamos a nossa Vida em busca de multiplicações destas sensações, quero sentir-me acolhido ao chegar a casa, sabendo que todos os que lá estão de alguma forma me amam, me respeitam, e nos seus gestos de carinho e atenção me acolhem não só à/na casa, mas na vida deles.
Quero chegar ao trabalho, se sentir que é porque sou eu que faço uma diferença, e por isso me acolhem, no seio de equipas.
Quero chegar a um restaurante e sentir que o empregado me sorri, me recebe, e me faz sentir ou conhecido, ou especial, tratando-me como um cliente diferente de todos os outros que também trata diferente.
Quero estar nos braços do meu amor e sentir que me acolhe, me aceita, me protege, ampara, e abriga, e vivo rodeado de pessoas que procuram o mesmo.
Num mundo de velocidades e tecnologias, não deixa de ser missão possível, é olhar o outro e reconhecer que sensações e experiências precisa para que se sinta abrigado na vida e acolhido na relação, aceite por si, mesmo nos seus traços menos que perfeitos. É saber dizer o que me acolhe, e reconhecer nos jogos de pistas que os outros me deixam aqui e ali, os seus gestos de abrigo, de amparo, de afecto dedicado, a mim e a todos os espaços de mim que eu não vejo, mas no reflexo destas relações, entrego-os a quem mais me dedico.
Acolher...é o trabalho que mais tento fazer e entregar a quem me procura, dando-lhes um espaço de entrega, sem julgamento, com aceitação e abrigo, um amparo e refúgio ao exterior por vezes agreste.
Encontrem em vós um espaço de acolhimento para vocês, em primeiro lugar, onde se aceitem por quem são, e procurem melhorar no que desejam, não naquilo que vos impõem. Abriguem-se e protejam-se, de forma a poderem ter recursos, para na totalidade dos vossos seres, também por sua vez, poderem acolher os outros, o outro. Para que em pequenos gestos, intensos e recheados com a vossa alma, entreguem, simbolicamente o vosso eu, ao outro, acolhendo quem recebem em vossa casa, e no vosso coração.
Aceitem e recebam de braços abertos e bem, quem vos ama, para que se sintam também vós acolhidos.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Mulher, mulheres...que este texto seja sobre nós...

MULHER
Nasci, criei dentro de mim fantasias de um dia ser...ser o quê não sei, ser alguém, talvez como minha mãe. Sonhei, fantasias de criança, repletas de risadas, corridas descalça, saltos de árvores, e mergulhos em baixa-mar. Provei arroz-doce quente, e um afago na cabeça, dado pelas mãos da minha avó que em casa me esperava. Lembro-me de sentada numa mesa beber café de borras, com torradas, com a minha mãe e avó, a discutir se os meus pontos de crochet estavam bem feitos. Lembro-me de fugir da vassoura de um vizinho, quando tentava roubar uma rosa do seu jardim, para oferecer à minha mãe. Recordo o dia em que parti a cana do nariz do meu melhor amigo, a jogar à apanhada, no meio do recreio escolar. Invade-me a memória dos dias de aulas, na primária em que na sala especial, fazíamos só problemas de matemática, a concurso, e lembro-me que gostávamos. Assalta-me a imagem de uma queda brutal, com imenso sangue e dor, que a minha mãe com água e um beijo curou. Lembro-me do meu primeiro chorão, um boneco lindo, que me permitiu passear pela casa, orgulhosa de ser mãe, daquele pequeno ser. Desde esse dia que tomei conta dele, e mal ou bem, resistiu até hoje, e já cá cantam 41 anos...acho que fui uma boa mãe. Ensaiei tanto com ele, as fraldas, o colo, os passeios, o dormir, o zangar...cresceu dentro de mim. Eu crescia e comigo o desejo de um dia ser mãe, não sabia quando, nem com quem, mas não duvidei que esse havia de ser um dos meus projectos.
Cresci, fui filha por etapas, às vezes explosiva e difícil, outras vezes carente e dependente. Fui filha amiga e filha desafio. Namorei, intensamente, com sentimentos que não cabiam dentro de mim, e que me levaram a um outro papel, aquela que conquista, aquela por quem se enamoram, senti-me mais mulher. Descobri no meu físico e com as minhas hormonas que era lava explosiva, águas paradas, nuvens no céu...pinceladas de óleo em tela branca. Agora era pessoa, filha, neta, namorada, mulher...agora mais sonhos tomavam forma, e no meu ser cresciam capacidades que me tornam especial, que nos tornam especiais a todas nós, que desempenhamos papéis múltiplos, mas que no papel de ser mãe nos revemos apaixonadas pela capacidade que nos é atribuída.
Somos mulheres distribuídas pelas múltiplas personalidades que adoptamos, vivendo cada uma delas com a intensidade de um café expresso acabado de ser servido. Se somos filhas, somos a tempo inteiro, telefonamos às mães no dia-a-dia, e às vezes às sogras, para sabermos delas, dos seus pormenores e dos seus sentires. Somos empregadas de um alguém a quem nos entregamos com energia muitas vezes superior à necessária, e a quem damos muito mais do que é óbvio. Se estamos com o nosso companheiro, parte do dia,de forma inconsciente, é passado a pensar em gestos que transpiram amor e dedicação, ainda que adoptem formas muito mundanas. Até a refilice pode não deixar de ser um linguajar onde afectos são partilhados de forma oculta. Se somos irmãs, no nosso coração há um espaço que se preocupa, e que de alguma forma pensa e sente pelo outro, numa presença constante ainda que assim não seja. Se somos mães,  parte do nosso cérebro e coração dedicam-se em exclusivo a todo o tipo de sentimento e pensamento por estas crias, que ainda hoje sentimos dentro de nós, nos pontapés que nos deram, na sensação de pertença e de entrega  sem igual, no sentir da palma da mão ou nas entranhas, o bater dos seus corações. São aqueles de quem adoramos falar e contar histórias que mais ninguém sabe, com um brilho no olho que em nenhum outro sítio existe.
Somos muitas das vezes mulheres, porque somos emocionais, espertas, dedicadas, capazes de fazer múltiplas coisas ao mesmo tempo, porque somos dependentes e independentes, porque somos meigas e selvagens, porque não nos conhecemos a nós mesmas muitas vezes, e porque muitas das nossas reacções chegam a ser estranhas a nós mesmas. Somos mulheres porque somos exigentes e não damos tréguas. Somos mulheres porque queremos atenção e carinho, mas temos em nós doses infindáveis de retribuição.
Somos mulheres, porque no nosso coração existem cicatrizes das quedas dos nossos filhos, porque em cada célula nossa sabemos um pouco deles, respiramos o seu perfume, e temos saudades hoje do amanhã daqui a cinco anos. Somos as únicas que sentimos que o nosso tempo com eles é sempre pouco, e que cada tempo desse é uma despedida ao que já foram, e uma ferida em nós, pois sentimos o peso da Vida, que nos sufoca, com o medo do que lhes pode acontecer, se não os soubermos educar e proteger.
Somos leoas, corujas, elefantes, ursos, somos selvagens perante ameaças às nossas crias, e derretemos perante quem delas goste.
Hoje somos todas mulheres, com as nossas medalhas e vitórias, somos aquelas que muitas das vezes une numa cola invisível, as pontas lá de casa, de todas as casas, somos as que refilando, ou não, sorrimos ao gesto de carinho de um filho, ajeitamos mantas de camas crescidas, beijamos fotografias de sorrisos intensos, e ao ir à cama, com dores nos pés, nas costas, e às vezes na alma, não deixamos de adormecer sonhando com as vitórias dos que amamos, e sem deixar de sentir uma sensação de omnipotência em que nos julgamos capazes de lutar contra tudo e todos, amanhã, de novo, para por em segurança os que amamos.
Somos mulheres porque amamos muito, de forma cega, com tanta intensidade que nos gastamos na dádiva.
Somos mulheres porque somos mães e amantes, numa entrega total, nada pode ser por metade.
Seja este o nosso dia, e lembremos que o que nos faz diferentes é sem dúvida o que nos faz especiais.

terça-feira, 6 de março de 2012

Nós...familiares...


Nós famílias...as nossas famílias, nós na família, os outros da família...
Ser família, implica o quê? Sermos todos do mesmo sangue? Termos crescido juntos? Termos o mesmo nome? Ter a mesma história? "Ser família" é importante, é um conceito que depende de muitos elementos, emoções e da história que carregamos connosco, enquanto entidades. É tão importante, que às vezes é mais sentido do que pensado, pois em momentos críticos, estamos do lado da família, que pode não ser o mesmo que o da razão, ou da verdade (qual verdade?). Ser família fala mais alto, é sem dúvida o conceito de pertença mais importante, eu sou, porque sei de onde vim, quem é a minha família. Claro que isto também complica tudo, ou não fosse eu sempre dizendo, que tudo o que se relaciona connosco é tão simples sempre e tão difícil ao mesmo tempo. 
Quantas das famílias que me procuram, estão próximas, unidas, a amarem-se a todos, mas num nó, mais do que embrulhado, um nó que estrangula, e aperta, em vez de dar a segurança de não deixar ir, ou cair. Para ser família, eu quero dar o meu melhor e esperar dos outros o mesmo, quero aparecer bem na fotografia, e condizer com todos os sonhos que em tempos elaborei, quando pensava em ter a minha própria família, se é que isto realmente existe, pois onde é que eu defino as linhas que dizem, tu pertences, mas tu não...Quando sonho com o que quero que a minha família faça ou viva, motivo a minha própria Vida, desenho caminhos que quero percorrer de mão dada com todos eles, mostrando o que foi que fui sonhando nos momentos em que desenhei o futuro que quero partilhar com eles.
Nesses devaneios contemplo tudo menos fracasso, ou dificuldades, omito-as dos meus pensamentos pois não faz sentido. Mas, na realidade, quando a Vida se desenrola, como um filme no qual eu não mando, às vezes os meus sonhos e desejos embrulham-se, enfrentam algumas dificuldades. Criam nós cegos (para quem não é ou foi escoteiro, são aqueles que são quase impossíveis de se desmancharem)...e cabe a mim, ou a mim mais a minha família, ultrapassar isto tudo, e é aqui que às vezes as famílias param, baralhadas, com dúvidas sobre as suas capacidades. Mas é aqui mesmo que eu quero entrar, e se puder, inspirar um pouco quem vá lendo estas linhas que escrevo, não há nó cego que não se desmanche com paciência, temos é de parar de puxar, e com calma, ver as voltas que já deu, uma a uma, e com um princípio começar a desenrolar, resolvendo uma laçada de cada vez. E, isto todas as famílias conseguem, na sua energia mais profunda, na resiliência que a Vida lhes trouxe, e com o amor que na maior parte das vezes os une, as famílias, todas elas conseguem, parar, olhar as laçadas, e começar por uma ponta. Só uma de cada vez, e quando sentirmos que estamos a conseguir, arriscamos um pouco mais, e já desmanchamos duas laçadas ao mesmo tempo. 
E neste jogo de arriscar aprendemos de novo que somos uma família, capaz, capaz por si mesma, válida no que sabe fazer e nas razões que a unem. Descobrem que existe magia nos vossos afectos e que em cada um de vós, em cada peça da vossa família, existem forças, que unidas vos tornam a todos resilientes, quase super-poderes, que bem controlados e orientados, vos levarão mais longe, e mais perto de cada um de vós. Nós fortes que vos unem, nós que vos protegem numa rede densa, nós de significado e história, e que revelam aprendizagens passadas, nós vossos, que com muita coragem às vezes partilham com os outros, dando a conhecer um pouco das vossas realidades. 
As famílias são heroínas na vida de hoje, nos desafios do mundo, e na constante mudança a que nos obrigam, num passo imposto. Bem hajam as famílias que nos seus nós se mantêm juntas!

quinta-feira, 1 de março de 2012

Conversas de sofá...

Problema dos nossos dias, dos casais que me chegam, com queixas de que existe uma caixa mágica em suas casas que devora o tempo, a energia, as vontades, que deixa as mentes vazias de ideias para mais fazer.

Falam-me os casais, com queixas distintas, mas com o elemento comum, de que esta coisa, domina a sala, e às vezes o quarto, domina o dia, e às vezes tem tais poderes que domina as crianças e o fim-de-semana inteiro...ouvi atentamente os seus comentários, e as queixas, percebendo que a relação entre eles e a dita caixa mágica é ambivalente, tanto gostam, como odeiam, tanto não querem, como resolve silêncios, e em relações ambivalentes é sempre difícil entrar, e sugerir algo que faça sentido ou que melhore rapidamente tais relações, no entanto, atrevo-me e questionando os casais vou percebendo melhor esta relação, o que mais tarde me permite sugerir e questionar novas soluções.
Num mundo de correria, com pensamentos mil a velocidades superiores às da luz, com corpos divididos entre empregos, às vezes mal amados, e famílias a quem nunca chegamos, precisamos de um espaço onde tudo se esvaneça, a cabeça e os seus raciocínios se evaporem, e por segundos, que são sempre horas, eu, no meu intimo, esvazie, o que de mim não gosto, o que de mim não dei, e se o fizer na presença da caixa mágica, posso fazê-lo, justificando os silêncios a que me obrigo e entrego, e que exijo a quem me acompanha.

Neste mundo, ganho hábitos, e como que por inércia, alguns dos meus músculos deixam de funcionar bem, "apreguiçam-se", aprendem a não fazer, a não criar, a não sonhar ou fantasiar, e depois, quando isto acaba, irrito-me por me ter iludido em tais magias, que me afastam de quem quero ser, e daquele que quero entregar a que amo. Corri o dia todo, para me dar, e no fim, perco-me no cantar das sereias, da caixa mágica, e não participei activamente naquilo que julgo ser o sonho da minha família. De repente, dou por mim a meio da noite, a ir dar um beijo aos meus filhos, a recuperar o tempo que não lhes dei, dizendo num murmúrio: amanhã vai ser diferente. Amanhã, desligamos a caixa mágica, e vamos jogar qualquer coisa, ou falar sobre o dia, ou andar um pouco a pé. Sim, amanhã vamos fazer isso. Vou, deito-me e durmo, e o amanhã, chega a velocidade mil, fazendo do ontem um sonho, do qual me afasto e não guardo memória. Hoje, de novo, a história repete-se...

Nas conversas do meu sofá estas histórias são contadas, e repensadas, e desenhamos caminhos diferentes com desafios que nos afastam das possíveis magias que a caixa tem. Nas conversas de sofá ensaiamos novas coreografias, que resultam, que aproximam e sabem bem, aprendemos todos juntos a desligar a caixa, e a atrevermo-nos a conquistar terrenos que tínhamos perdido. Rimos das histórias que conseguimos contar, e numa luta difícil, contratamos mudança. Nestas conversas, falamos muitas vezes de passarinhos, e eu explico que há uma fase para tudo. As crias de inicio precisam que a mãe lhes ofereça a comida quase que digerida, e elas aceitam, mas um dia, elas crescem e querem desafios novos, comer algo inteiro, caçar por si, voar, etc., e este é o desafio que eu lhes deixo no sofá. Arriscar a não engolir as magias da caixa, que nos deliciam porque por tempos infinitos têm o poder de nos afastar das nossas realidades, que às vezes não são ideais, faço-os sonhar com a magia que existe no desafio de não saber, no desafio de termos nós que descobrir e ocupar tempos que não tínhamos.

Nas conversas de sofá, magias também acontecem, e com alguns empurrões e safanões, treinam-se os músculos já destreinados, e de repente damos por nós a conquistar a audiência lá de casa, com graçolas e peripécias, dos artistas da família, redescobrimos tesouros e tempos, que nos livram de arrependimentos, e a meio da noite não me levanto, arrependido. A meio da noite leio, ou durmo, e de manhã, não me esqueço do serão de ontem, pois o sorriso da minha mulher, e o beijo do meu pequenote gravaram-se de tal forma em mim, que ainda hoje os sinto.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Encontros...

Estamos juntos, juntos há tanto tempo, vivemos a relação de conjunto e de família num tempo sem fim. Partilhamos filhos, uma casa, um carro, uma conta bancária, partilhamos uma vida vivida, num relógio na posse de alguém. É nossa tendência, e por mim falo, que sou mulher, esperar e planear a vida, nos seus momentos, tentar iludir ou criar a ilusão que temos tudo sobre controlo, e com estes truques em mente planeamos a todo o momento, exemplo…:

...estou no banho a pensar se ainda tenho amaciador na despensa, pois este está quase no fim, fazendo a nota mental de mais tarde ir verificar, se tenho o fiambre e o pão que preciso para as sandes dos lanches das crianças, penso a que horas vou entrar e o que quero fazer hoje, enquanto me visto penso no que preciso de levar para as modalidades desportivas dos miúdos e o que preciso comprar para conseguir fazer o jantar de logo. Lembro o pai de qualquer coisa que combinámos, ponho os meninos a comer, mando lavar dentes, pentear e vestir casacos, e lá vamos nós, pai e mãe, nesta dança articulada para realizar a Vida...

Este exemplo está muito aquém do que realmente se passou nestes minutos, pois de certeza que um maior número de elementos participaram nesta elaboração quase insana, de esquemas mentais de supostas organizações e planeamentos. Neste vício caímos e sem querer alargamos a muitas outras coisas que não precisam nada da nossa organização ou planeamento, e sim da nossa espontaneidade. Por exemplo:

...quero fazer jantar surpresa para o companheiro, arranjo quem fique com os meninos, planeio os pratos favoritos, planeio a roupa, os cheiros, as velas, a luz, a música, realmente um filme com um orçamento de realização para lá de um milhão de euros, tais são as vezes que tive de repetir as cenas até estar tudo perfeito e controlado. E quando o verdadeiro momento chega, porque assim tende a ser a vida, um dos muitos pormenores bem organizado e planeado pode falhar. E o momento que tinha tudo para dar certo, ocorre um erro no nosso computador, causando um "crash" no sistema, na maior parte das vezes azedando todos os sabores e aromas que se seguem, independentemente das tentativas do companheiro para ainda fazer funcionar o momento.

No meu trabalho, eu tento muitas vezes, à conta de ilustrações como estas, mostrar como muitas vezes momentos de encontro, tão cruciais para a relação de casal e de família, se tornam em momentos de desencontro e incompreensão. Nos nossos planos e agendamentos, temos de pensar que encontros dependem de disponibilidades muitas vezes surgidas do nada, e nós com o medo da imperfeição, adiamos momentos, para depois os vivermos de forma soberba e intensa, de uma forma perfeita e planeada. E este, é um erro crasso...deixemos que os momentos de encontro sejam quando são, que se multipliquem para que nos aproximemos, que nos façam viver o momento de forma intensa e com a alegria do não esperado, e, se sobrar tempo, e a Vida decidir colaborar, então, de vez em quando sonhemos com planos elaborados para encontros especiais, com a ressalva de que um ou dois percalços, por norma, não anulam um momento. Encontros, que nos reanimam, e que por momentos nos devolvem o relógio da Vida, da nossa Vida, e que nos permitem por momentos respirar fundo, sentir um abraço profundo e gostarmos...de mim, dele, deles, da Vida. Encontros que se repetem e reforçam laços invisíveis, que nos protegem. Encontros só nossos, que perduram no jogo da memória, em fotografias de álbuns fantasiados, que nos fazem sonhar e relembrar, saboreando momentos e afetos.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

VAZIOS...

Entregamos tudo de nós, entregamos o nosso melhor, muitas das vezes levamos a nossa Vida a querer ser um alguém melhor do que somos, ou a querer agradar tanto aos e os outros, que nesses esforços imensos, desgastamos energias que não conseguimos repor sem muita dificuldade.
No meu trabalho, criei duas histórias, que ilustram dois tipos de entrega, uma que emite cheques sem cobertura, que muitas das vezes não voltamos a repor, de um banco que às vezes até desconhecemos, já para não falar da própria conta. Outra história fala da entrega desmedida de nós mesmos, sem cuidados nenhuns, sem proteção, e em que rebentamos uma bolha invisível que nos protege e rodeia, com múltiplas funções das quais também falo muitas vezes nos meus trabalhos, mas para a segunda história de hoje, só me interessa abordar o fenómeno que nos faz perder a cabeça e neste processo de entrega desmedida, desrespeitando a "bolha", me gasto e me anulo para preencher um espaço imenso.
As duas histórias de hoje, chegam sempre aos mesmos locais, pois os resultados de ambas são iguais...VAZIOS.
Nenhuma delas é simples, mas a última talvez seja a mais indomável, e muitas vezes demasiado enraizada, dificultando o processo de libertação.
Talvez a maior parte das pessoas que se entregam a uma relação, que queiram que funcione, se entreguem de corpo e alma. E se se entregam a várias? Se são companheiros, mas também são filhos, se são pais, mas também trabalham, se são amantes, mas também são amigos...querermos que todas estas relações, e as redes que se formam, funcionem "às mil maravilhas" e nos apresentem na nossa melhor forma, como naquela fotografia em que conseguimos ficar bem e gostar de nos ver, é sem dúvida colocar sobre nós um gasto energético imenso. Daí, eu dizer que começamos a emitir cheques sem cobertura, começamos a achar que "temos de", "não há outra maneira", "é o que esperam de mim", "não os quero desiludir", "eu consigo", e começamos a rodopiar à volta destes raciocínios de conquista para dar tudo aos outros, para que nós estejamos bem, e este rodopio é tal, que não nos apercebemos das dívidas e do desespero a que nos levamos. Pior, muitas destas reviravoltas fazemos porque queremos sentir que ao fazer tudo pelos outros também eles são capazes de fazer por nós, ainda que em moeda ou quantidade diferente, queremos sentir que ficamos preenchidos, repletos de satisfação e carinho de retribuição, mas quando isto tudo ou pouco disto acontece, e o gasto energético foi muito superior, isto deixa-nos não só de rastos, mas também com um vazio ainda maior, à sensação de que nos falta sempre algo, junta-se a sensação de não ter algo que chegue, e agora estou sem energia para nada. Esgotei a conta. Entrei no vermelho, mas não me hipotequei. Nesta história, se atentos, temos de (re)começar poupanças, e devagar, retomar ganhos, encontrar aqueles momentos só meus, em que reponho a energia, momentos que podem assumir um café à beira-mar, um beijo no rosto de uma criança, um banho sem tempo, tanta coisa, mas para mim, é assim, e assim equilibro a balança, e reponho de onde tiro.
Na segunda história sem querer deixamos que a barreira da lucidez que nos impede de nos hipotecarmos, não se apresente, e com esta ausente, o sistema de defesa entra em falha.
As histórias tocam-se, a diferença é que na segunda eu quero tanto não ter vazios, que além de me entregar na totalidade, sendo mais do que eu mesma, não tomo quaisquer defesas contra possíveis respostas, que mesmo não sendo ataques se forem desprovidos de entrega de algum tipo de sentimento que me preencha, e digo já que tal tarefa pode ser difícil, serão sempre recepcionados como feridas ao meu ser, desnudado naquele momento de qualquer proteção. Sonhador deixou-se ir à procura...dando tudo para encontrar, para preencher, não se defendendo, pois assim pode impedir qualquer entrega por mínima que seja, a bolha rebentou, e mesmo que o outro me dê algo, já não sinto, já não vejo, pois quase que me perdi no processo, e neste momento o Vazio é mais do que eu. Para o preencher preciso de me reencontrar e reconstruir uma barreira que me defende de mim e dos outros, tenho de gostar do que sou e do que vejo, e aceitando-me, receber o que me dão.
Este tema vai fazer com que eu vos fale em várias etapas e momentos...este será o primeiro.



Às vezes apetece-me desistir...

Na relação, temos todos os nossos momentos. Momentos de prazer em que nos olhamos nos olhos, e sentimos que o outro nos conquista, no dia-a-dia, nos seus gestos de prazer que até já podem ser gestos conhecidos de cor...Momentos em que sabemos de certeza absoluta que gostamos dos nossos companheiros, muito mesmo, mas se num improviso nos questionam, porquê? Vamos levar o nosso tempo a filtar toda uma série de informações, mal-arrumadas e confusas, que tendemos a organizar de forma que nem nós percebemos porquê, mas que no fundo nos asseguram a certeza de sentimentos que muitas vezes nem questionamos.
Na vivência da rotina, do quotidiano, das pequenas coisas da Vida, esses cantos já não muito organizados ou até arrumados, podem ficar esquecidos ou pelo menos arrefecidos, mas no meio de um processo de procura, de encontro, ou de reencontro, vão ganhando forma se deixarmos, e vão dando força para lutar em acreditar que todas as relações podem ficar melhores. Começou-se um caminho de reconstrução pelo qual vale a pena caminhar, pois todas as conquistas, ainda que pequenas são vossas, são suas...e daí, ainda que com alguns recuos, a caminhada pode continuar e com mais sentido, sem nada adormecido ou arrefecido. Eu sei, dá trabalho, mas pense num exemplo, exemplo de algo que saboreado nos preencha, nos encante, nos dê sentido à Vida e a quem somos, e que não nos dê trabalho. Não acredito que o consiga fazer.
A cada passo para trás, ou pausa, ou caminhada para o lado, pense na conquista, no fim, e pense em tudo o que já ganhou só porque tentou e não desisitiu. Pense que ao dar tudo por tudo, não desiste, e transforma o que não era bom, em possibilidades. Melhora o parceiro e melhora-se a si no processo.
Às vezes apetece-me desisitir, mas não deixo, acordo, e penso que foi um sonho mau, encontro o desafio de atingir o que quero, junto daquele que, mesmo que às vezes eu não saiba porquê, eu tenho a certeza de que quero e amo.