Falam-me os
casais, com queixas distintas, mas com o elemento comum, de que esta coisa,
domina a sala, e às vezes o quarto, domina o dia, e às vezes tem tais poderes
que domina as crianças e o fim-de-semana inteiro...ouvi atentamente os seus
comentários, e as queixas, percebendo que a relação entre eles e a dita caixa
mágica é ambivalente, tanto gostam, como odeiam, tanto não querem, como resolve
silêncios, e em relações ambivalentes é sempre difícil entrar, e sugerir algo
que faça sentido ou que melhore rapidamente tais relações, no entanto,
atrevo-me e questionando os casais vou percebendo melhor esta relação, o que
mais tarde me permite sugerir e questionar novas soluções.
Num mundo de
correria, com pensamentos mil a velocidades superiores às da luz, com corpos
divididos entre empregos, às vezes mal amados, e famílias a quem nunca
chegamos, precisamos de um espaço onde tudo se esvaneça, a cabeça e os seus raciocínios
se evaporem, e por segundos, que são sempre horas, eu, no meu intimo, esvazie,
o que de mim não gosto, o que de mim não dei, e se o fizer na presença da caixa
mágica, posso fazê-lo, justificando os silêncios a que me obrigo e entrego, e
que exijo a quem me acompanha.
Neste mundo, ganho
hábitos, e como que por inércia, alguns dos meus músculos deixam de funcionar
bem, "apreguiçam-se", aprendem a não fazer, a não criar, a não sonhar
ou fantasiar, e depois, quando isto acaba, irrito-me por me ter iludido em tais
magias, que me afastam de quem quero ser, e daquele que quero entregar a que
amo. Corri o dia todo, para me dar, e no fim, perco-me no cantar das sereias,
da caixa mágica, e não participei activamente naquilo que julgo ser o sonho da
minha família. De repente, dou por mim a meio da noite, a ir dar um beijo aos
meus filhos, a recuperar o tempo que não lhes dei, dizendo num murmúrio: amanhã
vai ser diferente. Amanhã, desligamos a caixa mágica, e vamos jogar qualquer
coisa, ou falar sobre o dia, ou andar um pouco a pé. Sim, amanhã vamos fazer
isso. Vou, deito-me e durmo, e o amanhã, chega a velocidade mil, fazendo do
ontem um sonho, do qual me afasto e não guardo memória. Hoje, de novo, a
história repete-se...
Nas conversas do
meu sofá estas histórias são contadas, e repensadas, e desenhamos caminhos
diferentes com desafios que nos afastam das possíveis magias que a caixa tem.
Nas conversas de sofá ensaiamos novas coreografias, que resultam, que aproximam
e sabem bem, aprendemos todos juntos a desligar a caixa, e a atrevermo-nos a
conquistar terrenos que tínhamos perdido. Rimos das histórias que conseguimos
contar, e numa luta difícil, contratamos mudança. Nestas conversas, falamos
muitas vezes de passarinhos, e eu explico que há uma fase para tudo. As crias
de inicio precisam que a mãe lhes ofereça a comida quase que digerida, e elas
aceitam, mas um dia, elas crescem e querem desafios novos, comer algo inteiro,
caçar por si, voar, etc., e este é o desafio que eu lhes deixo no sofá.
Arriscar a não engolir as magias da caixa, que nos deliciam porque por tempos
infinitos têm o poder de nos afastar das nossas realidades, que às vezes não
são ideais, faço-os sonhar com a magia que existe no desafio de não saber, no
desafio de termos nós que descobrir e ocupar tempos que não tínhamos.
Nas conversas de
sofá, magias também acontecem, e com alguns empurrões e safanões, treinam-se os
músculos já destreinados, e de repente damos por nós a conquistar a audiência
lá de casa, com graçolas e peripécias, dos artistas da família, redescobrimos
tesouros e tempos, que nos livram de arrependimentos, e a meio da noite não me
levanto, arrependido. A meio da noite leio, ou durmo, e de manhã, não me
esqueço do serão de ontem, pois o sorriso da minha mulher, e o beijo do meu
pequenote gravaram-se de tal forma em mim, que ainda hoje os sinto.
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