quinta-feira, 1 de março de 2012

Conversas de sofá...

Problema dos nossos dias, dos casais que me chegam, com queixas de que existe uma caixa mágica em suas casas que devora o tempo, a energia, as vontades, que deixa as mentes vazias de ideias para mais fazer.

Falam-me os casais, com queixas distintas, mas com o elemento comum, de que esta coisa, domina a sala, e às vezes o quarto, domina o dia, e às vezes tem tais poderes que domina as crianças e o fim-de-semana inteiro...ouvi atentamente os seus comentários, e as queixas, percebendo que a relação entre eles e a dita caixa mágica é ambivalente, tanto gostam, como odeiam, tanto não querem, como resolve silêncios, e em relações ambivalentes é sempre difícil entrar, e sugerir algo que faça sentido ou que melhore rapidamente tais relações, no entanto, atrevo-me e questionando os casais vou percebendo melhor esta relação, o que mais tarde me permite sugerir e questionar novas soluções.
Num mundo de correria, com pensamentos mil a velocidades superiores às da luz, com corpos divididos entre empregos, às vezes mal amados, e famílias a quem nunca chegamos, precisamos de um espaço onde tudo se esvaneça, a cabeça e os seus raciocínios se evaporem, e por segundos, que são sempre horas, eu, no meu intimo, esvazie, o que de mim não gosto, o que de mim não dei, e se o fizer na presença da caixa mágica, posso fazê-lo, justificando os silêncios a que me obrigo e entrego, e que exijo a quem me acompanha.

Neste mundo, ganho hábitos, e como que por inércia, alguns dos meus músculos deixam de funcionar bem, "apreguiçam-se", aprendem a não fazer, a não criar, a não sonhar ou fantasiar, e depois, quando isto acaba, irrito-me por me ter iludido em tais magias, que me afastam de quem quero ser, e daquele que quero entregar a que amo. Corri o dia todo, para me dar, e no fim, perco-me no cantar das sereias, da caixa mágica, e não participei activamente naquilo que julgo ser o sonho da minha família. De repente, dou por mim a meio da noite, a ir dar um beijo aos meus filhos, a recuperar o tempo que não lhes dei, dizendo num murmúrio: amanhã vai ser diferente. Amanhã, desligamos a caixa mágica, e vamos jogar qualquer coisa, ou falar sobre o dia, ou andar um pouco a pé. Sim, amanhã vamos fazer isso. Vou, deito-me e durmo, e o amanhã, chega a velocidade mil, fazendo do ontem um sonho, do qual me afasto e não guardo memória. Hoje, de novo, a história repete-se...

Nas conversas do meu sofá estas histórias são contadas, e repensadas, e desenhamos caminhos diferentes com desafios que nos afastam das possíveis magias que a caixa tem. Nas conversas de sofá ensaiamos novas coreografias, que resultam, que aproximam e sabem bem, aprendemos todos juntos a desligar a caixa, e a atrevermo-nos a conquistar terrenos que tínhamos perdido. Rimos das histórias que conseguimos contar, e numa luta difícil, contratamos mudança. Nestas conversas, falamos muitas vezes de passarinhos, e eu explico que há uma fase para tudo. As crias de inicio precisam que a mãe lhes ofereça a comida quase que digerida, e elas aceitam, mas um dia, elas crescem e querem desafios novos, comer algo inteiro, caçar por si, voar, etc., e este é o desafio que eu lhes deixo no sofá. Arriscar a não engolir as magias da caixa, que nos deliciam porque por tempos infinitos têm o poder de nos afastar das nossas realidades, que às vezes não são ideais, faço-os sonhar com a magia que existe no desafio de não saber, no desafio de termos nós que descobrir e ocupar tempos que não tínhamos.

Nas conversas de sofá, magias também acontecem, e com alguns empurrões e safanões, treinam-se os músculos já destreinados, e de repente damos por nós a conquistar a audiência lá de casa, com graçolas e peripécias, dos artistas da família, redescobrimos tesouros e tempos, que nos livram de arrependimentos, e a meio da noite não me levanto, arrependido. A meio da noite leio, ou durmo, e de manhã, não me esqueço do serão de ontem, pois o sorriso da minha mulher, e o beijo do meu pequenote gravaram-se de tal forma em mim, que ainda hoje os sinto.

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