quinta-feira, 8 de março de 2012

Mulher, mulheres...que este texto seja sobre nós...

MULHER
Nasci, criei dentro de mim fantasias de um dia ser...ser o quê não sei, ser alguém, talvez como minha mãe. Sonhei, fantasias de criança, repletas de risadas, corridas descalça, saltos de árvores, e mergulhos em baixa-mar. Provei arroz-doce quente, e um afago na cabeça, dado pelas mãos da minha avó que em casa me esperava. Lembro-me de sentada numa mesa beber café de borras, com torradas, com a minha mãe e avó, a discutir se os meus pontos de crochet estavam bem feitos. Lembro-me de fugir da vassoura de um vizinho, quando tentava roubar uma rosa do seu jardim, para oferecer à minha mãe. Recordo o dia em que parti a cana do nariz do meu melhor amigo, a jogar à apanhada, no meio do recreio escolar. Invade-me a memória dos dias de aulas, na primária em que na sala especial, fazíamos só problemas de matemática, a concurso, e lembro-me que gostávamos. Assalta-me a imagem de uma queda brutal, com imenso sangue e dor, que a minha mãe com água e um beijo curou. Lembro-me do meu primeiro chorão, um boneco lindo, que me permitiu passear pela casa, orgulhosa de ser mãe, daquele pequeno ser. Desde esse dia que tomei conta dele, e mal ou bem, resistiu até hoje, e já cá cantam 41 anos...acho que fui uma boa mãe. Ensaiei tanto com ele, as fraldas, o colo, os passeios, o dormir, o zangar...cresceu dentro de mim. Eu crescia e comigo o desejo de um dia ser mãe, não sabia quando, nem com quem, mas não duvidei que esse havia de ser um dos meus projectos.
Cresci, fui filha por etapas, às vezes explosiva e difícil, outras vezes carente e dependente. Fui filha amiga e filha desafio. Namorei, intensamente, com sentimentos que não cabiam dentro de mim, e que me levaram a um outro papel, aquela que conquista, aquela por quem se enamoram, senti-me mais mulher. Descobri no meu físico e com as minhas hormonas que era lava explosiva, águas paradas, nuvens no céu...pinceladas de óleo em tela branca. Agora era pessoa, filha, neta, namorada, mulher...agora mais sonhos tomavam forma, e no meu ser cresciam capacidades que me tornam especial, que nos tornam especiais a todas nós, que desempenhamos papéis múltiplos, mas que no papel de ser mãe nos revemos apaixonadas pela capacidade que nos é atribuída.
Somos mulheres distribuídas pelas múltiplas personalidades que adoptamos, vivendo cada uma delas com a intensidade de um café expresso acabado de ser servido. Se somos filhas, somos a tempo inteiro, telefonamos às mães no dia-a-dia, e às vezes às sogras, para sabermos delas, dos seus pormenores e dos seus sentires. Somos empregadas de um alguém a quem nos entregamos com energia muitas vezes superior à necessária, e a quem damos muito mais do que é óbvio. Se estamos com o nosso companheiro, parte do dia,de forma inconsciente, é passado a pensar em gestos que transpiram amor e dedicação, ainda que adoptem formas muito mundanas. Até a refilice pode não deixar de ser um linguajar onde afectos são partilhados de forma oculta. Se somos irmãs, no nosso coração há um espaço que se preocupa, e que de alguma forma pensa e sente pelo outro, numa presença constante ainda que assim não seja. Se somos mães,  parte do nosso cérebro e coração dedicam-se em exclusivo a todo o tipo de sentimento e pensamento por estas crias, que ainda hoje sentimos dentro de nós, nos pontapés que nos deram, na sensação de pertença e de entrega  sem igual, no sentir da palma da mão ou nas entranhas, o bater dos seus corações. São aqueles de quem adoramos falar e contar histórias que mais ninguém sabe, com um brilho no olho que em nenhum outro sítio existe.
Somos muitas das vezes mulheres, porque somos emocionais, espertas, dedicadas, capazes de fazer múltiplas coisas ao mesmo tempo, porque somos dependentes e independentes, porque somos meigas e selvagens, porque não nos conhecemos a nós mesmas muitas vezes, e porque muitas das nossas reacções chegam a ser estranhas a nós mesmas. Somos mulheres porque somos exigentes e não damos tréguas. Somos mulheres porque queremos atenção e carinho, mas temos em nós doses infindáveis de retribuição.
Somos mulheres, porque no nosso coração existem cicatrizes das quedas dos nossos filhos, porque em cada célula nossa sabemos um pouco deles, respiramos o seu perfume, e temos saudades hoje do amanhã daqui a cinco anos. Somos as únicas que sentimos que o nosso tempo com eles é sempre pouco, e que cada tempo desse é uma despedida ao que já foram, e uma ferida em nós, pois sentimos o peso da Vida, que nos sufoca, com o medo do que lhes pode acontecer, se não os soubermos educar e proteger.
Somos leoas, corujas, elefantes, ursos, somos selvagens perante ameaças às nossas crias, e derretemos perante quem delas goste.
Hoje somos todas mulheres, com as nossas medalhas e vitórias, somos aquelas que muitas das vezes une numa cola invisível, as pontas lá de casa, de todas as casas, somos as que refilando, ou não, sorrimos ao gesto de carinho de um filho, ajeitamos mantas de camas crescidas, beijamos fotografias de sorrisos intensos, e ao ir à cama, com dores nos pés, nas costas, e às vezes na alma, não deixamos de adormecer sonhando com as vitórias dos que amamos, e sem deixar de sentir uma sensação de omnipotência em que nos julgamos capazes de lutar contra tudo e todos, amanhã, de novo, para por em segurança os que amamos.
Somos mulheres porque amamos muito, de forma cega, com tanta intensidade que nos gastamos na dádiva.
Somos mulheres porque somos mães e amantes, numa entrega total, nada pode ser por metade.
Seja este o nosso dia, e lembremos que o que nos faz diferentes é sem dúvida o que nos faz especiais.

2 comentários:

  1. "Somos mulheres distribuídas pelas múltiplas personalidades que adoptamos, vivendo cada uma delas com a intensidade de um café expresso acabado de ser servido" LINDO ; )

    Uma prenda para ti, que és uma Enorme Mulher :)


    Antero de Quental - A uma Mulher

    Para tristezas, para dor nasceste.
    Podia a sorte pôr-te o berço estreito
    N'algum palácio e ao pé de régio leito,
    Em vez d'este areal onde cresceste:

    Podia abrir-te as flores — com que veste
    As ricas e as felizes — n'esse peito:
    Fazer-te... o que a Fortuna há sempre feito...
    Terias sempre a sorte que tiveste!

    Tinhas de ser assim... Teus olhos fitos,
    Que não são d'este mundo e onde eu leio
    Uns mistérios tão tristes e infinitos,

    Tua voz rara e esse ar vago e esquecido,
    Tudo me diz a mim, e assim o creio,
    Que para isto só tinhas nascido!

    Bjs.
    Nuno Freitas

    ResponderEliminar
  2. Adorei! És sem dúvida uma Grande Mulher!
    Beijo Grande
    Bela

    ResponderEliminar